UM DIA DE LIBERDADE. (Luc Ramos)

UM DIA DE LIBERDADE

(Luc Ramos)

E ai ladrão? No veneno? Pergunta o Agente pro detento que esta saindo da cadeia, sem lenço, sem documento, literalmente.

Além disso, sem grana pra condução, mas na condição de ter a pena cumprida.

Legal! Vai sair outra vez para a vida.

Alvará de soltura na mão é a sua passagem na condução. Ainda na Detenção e levado pelo Agente para a porta da frente, o grande portão.

Esta quase contente, não totalmente porque lá na frente não tem ninguém esperando por ele. Grande frustação...

De repente, lembrou-se de uma situação quando um funcionário antigão disse fazendo gozação:-

– É ladrão, vocês são sempre assim, vem e vão, não tem vergonha na cara, vem e vão e não aprendem a lição...

Entendeu mano? O cara sai da cadeia sem pé de meia, vai pra rua e quando passa pelo grande portão sem ninguém a sua espera.

Ai então vem um antigão e lhe diz: - Até mais tarde ladrão, o bom filho a casa torna e você não vai ser exceção.

O ladrão ouve calado, baixinho e com um sorriso acanhado ouve sem ter coragem de retrucar com um palavrão.

Agora já na Avenida Cruzeiro do Sul, finalmente na rua depois de cinco longos anos, não tem ninguém a sua espera, isso é voz corrente dentro da prisão: Tem ladrão quem quando sai da cadeia não tem ninguém a sua espera, na rua ele deixou apenas vitimas. È uma verdade! Mas existe exceção.

La vai ele com pressa, vem um ônibus, ele vai nessa, quer logo no seu barraco chegar.

A sua Nega ele tem conhecimento foi trabalhar e não sabe que ele hoje vai chegar, fez questão de não mandar avisar.

Coitada! Leva uma vida danada, da um duro de lascar, o trem sempre lotado ela chega no trampo com o corpo todo suado, já cansado antes mesmo de começar...

Na volta, horário de pico, faz um pedaço do caminho a pé, pois mora no morro e bem lá no alto tem uma subida pra encarar.

Hoje tudo vai ser diferente, no trem que ela está nem passa pela sua mente quem vai estar a sua espera...

Poxa, ela pensa, o seu cacho, seu macho, malandro que não vale um vintém, ta lá em cana e não é um homem do bem...

Porém, a trata muito bem, é um amante gostoso e faz também um gostoso neném. Eles ainda um filho não tem.

Ela no fundo pensa, quando ele sair da cadeia, talvez possa então engravidar, que legal levar o bebe para a creche, quando ela for trabalhar.

Se bem que hoje em dia na escola, no recreio é só farinha, fumo e cola que rola.

Por lá o que quica menos é a bola, mas, fazer o que? Hoje o vicio o mundo assola.

A tarde se vai e a noite chega e junto com ela a Nega, depois de muito sofrimento, até que enfim chegou ao cafofo. Ufa! Que sofrimento. Caramba que cheiro de mofo.

Mas, é a casa dela, onde ela mora esta contente assim, mesmo sendo na favela é um lugar onde se descansar.

Quando foi abrir a porta ficou esperta, credo, esta aberta!

Pega a vassoura e se sente armada, entra no cômodo fica abismada.

Sentado na cama, esta ele o maridão que até ontem estava preso na Casa de Detenção.

Ele estava assistindo televisão. Levanta da cadeira, abre os braços, abraça e beija, que curtição e logo as roupas são jogadas no chão, e uma rapidinha eles dão: Meu Deus, quanta excitação!

Nossa como ela sofreu por causa desse ladrão.

Todo o tempo que ele passou na prisão ela com ele “trincou”, nunca na visita faltou, nem um domingo sequer ela falhou.

Ela penou, se humilhou, muito trabalhou. Agora esta feliz, ele voltou.

Que bacana esta noite o amor vai ser feito na cama deles, uma cama de casal e não naquela “jega” do pavilhão.

Entre os gemidos e sussurros de outros casais que também estavam fazendo amor dentro da mesma cela, na prisão nos dias destinados a visita intima.

Hoje a noite o amor ia ser especial. Todo o amor dela pra ele, somente dele, um verdadeiro bacanal...

Amanheceu e o dia clareou... Ela teve que ir trabalhar ele ficou.

E na cama, fumando ficou a pensar: Que noite feliz de amor que ele passou nos braços do seu amor.

Mas a realidade logo nubla o seu sonho e junto com a realidade o sol chegou...

Ele levantou, se banhou, de roupa trocou e ali mesmo na favela em outra viela, ao lado de uma biqueira ele descolou, um pouco de maconha, um velho boné e um três oitão.

E lá vai ele outra vez de volta pra velha função. Fazer o que meu mano? É a sua profissão, ele é ladrão!

Foi procurar um parceiro ali mesmo um pouco mais pra cima do morro.

Cadê o Vivinho? Ta em cana. E o Negrito? Ta mal, só fica na nóia, ta um verdadeiro molambo.

E o Galo cego, Zé do prego, os Irmãos do Ceara? Foram todos pro saco, depois de um vacilo. Tudo marcação.

Sem ter outra opção lá vai ele sozinho roubar um busão, fazer o que? Ladrão é ladrão!

Ele precisa de dinheiro, ta sem nenhum, saiu da cadeia do jeito que o diabo gosta, duro e teso.

Nessa sua ultima cadeia o Juiz caprichou, lhe deu cinco anos e até foi leve a pena que ele pegou.

Agora ele vai pras cabeças. Hoje é sexta, fim de semana ta ai.

O que? Pegar dinheiro com a Nega, ta louco meu, com a minha mina? Imagina! Jamais, ele é ladrão, não é cafetão.

Foi até o ponto do ônibus, tava até tonto, na verdade estava desacostumado de andar na rua.

Chegou um busão até que não estava lotado,todo mundo sentado.

Parece até que o destino não quer que ele seja feliz.

Seja o que Deus quiser, e foi assim como eu vou contar que Deus quis.

Ele assim que entrou no ônibus foi até a roleta e encostou-se ao cobrador. Mostrou o Cano desbaratinado...

Disse para o cobrador:- E ai mano? Passa o trocado.

O cobrador mesmo assustado, não se fez de rogado não fez nenhum drama, tava acostumado, naquela linha, dia sim, dia não ele era roubado.

O ladrão se ligou que La no fundão do coletivo tinha um cara mal encarado, cabelo bem curto cortado, tinha o tipo de um soldado.

Estava se coçando... Cuidado... Parece que esta armado.

Mesmo com o cobrador na frente e mais um monte de gente,

O tal diferente, de repente... Bang, Bang, Bang. Atirou. Três tiros. Todos no alvo.

O cara que o ladrão tinha filmado era um soldado e nele tinha atirado e acertado.

O ladrão sequer disparou. O seu tempo tinha acabado.

Morreu como um ladrão, embora também já tivesse matado.

Esse é o desfecho esperado para quem vive marginalizado.

Poderia em outras circunstancias ter morrido como um homem honrado, e não como um desgraçado marginal.

Talvez, depois de julgado por Deus ele seja perdoado, mas, no momento ele é apenas um corpo baleado e na sarjeta jogado, pelo motorista do ônibus e o soldado.

Um ladrão que saiu da prisão e não cumpriu o velho ditado:

“De voltar para a prisão, como disse o funcionário antigão: vocês vêm, e vocês vão vocês sempre voltam”

Esse nunca mais voltar, está morto. Coberto por um saco preto jogado no chão.

Pra ele “Adeus Casa de Detenção que sempre foi um lugar de recreio para ladrão”

By Luc Ramos.

FIM