Empreendedores

O general Levine começava a sua tradicional preleção aos oficiais recém-formados com uma pergunta que alguns, erroneamente, interpretavam como retórica:

- Qual é o nosso negócio aqui? O que justifica a nossa existência perante o país?

As respostas mais comuns podiam ser sintetizadas como:

- Somos a força de defesa da nação.

Ou:

- Existimos para combater o inimigo.

- Isso também - replicava o general. - Mas notem que eu falei em "negócio". Desde o tempo do Império Romano, e muito provavelmente antes dele, guerra e negócios se confundem. Os romanos precisavam manter-se num estado de prontidão bélica, e numa atitude expansionista permanente porque a sua economia, baseada em mão-de-obra escrava, dependia de constantes aquisições de prisioneiros de guerra. Nós evoluímos além deste nível, mas não o suficiente para prescindir da mesma atitude expansionista - só que mascarada pela diplomacia e pela manipulação da opinião pública, através da mídia. Nosso objetivo hoje, também não visa capturar escravos... mas precisamos dos recursos naturais que muitas vezes estão nas mãos de governos hostis, ou não suficientemente cooperativos. É até difícil caracterizá-los, no mais das vezes, como o "inimigo", visto que suas forças armadas, perante as nossas, são desprezíveis - tanto em número, quanto em capacidade ofensiva. Isso, para não falar no nosso arsenal nuclear, que serve como dissuasão final contra nossos maiores oponentes - e que podem postular colocarem-se ao nosso nível por também possuírem armas nucleares.

O general fazia uma pausa enquanto mensurava o efeito de suas palavras sobre a plateia, e em seguida, lançava o mote do discurso:

- Portanto, senhoras e senhores, na melhor tradição do nosso país, o que todos realmente fazemos, aquilo que melhor define o nosso papel num mundo onde os recursos são limitados e disputados... é empreendedorismo! Sim, somos todos empreendedores!

Neste ponto, as expressões na plateia costumavam ser de espanto, estupefação. Alguns riam. Mas não por muito tempo.

- O que faz um empreendedor? Ele enxerga oportunidades onde ninguém mais as vê. A diferença entre o que fazemos e a rotina empresarial, é que usamos armas para chegar aos mesmos resultados. E ao usá-las, criamos oportunidades de negócios. Com nossas bombas, arrasamos cidades, destruímos estradas, infraestrutura, fábricas... que precisarão ser reconstruídas e substituídas depois que tomarmos conta da situação. Ou dos recursos que nos levaram até lá, em primeiro lugar. Nossas bombas e mísseis criam empregos em nosso país, nunca se esqueçam disso. E se isso leva morte e miséria para além de nossas fronteiras, é algo que só deve perturbar a consciência dos nossos políticos e intelectuais. Jamais as nossas!

E o desfecho, invariavelmente, ia num crescendo apoteótico:

- Portanto, reconheçam-se no papel que é fundamental para o mundo de hoje, aquilo que faz de nós o que somos! E o que somos?

E a plateia, em uníssono:

- Empreendedores!

[04-05-2017]