A girafa

- O mestre irá recebê-lo agora - informou o escravo ao visitante, indicando a entrada do átrio.

Tertius Pompilius adentrou o amplo recinto, por onde a luz da tarde entrava pela abertura retangular no teto. Ali, encontrou junto à cisterna um dos mais conhecidos traficantes de animais de Roma: Praetextatus. Ao vê-lo, Praetextatus, homem corpulento de cerca de 40 anos, dedos cheios de anéis de ouro, abriu um largo sorriso. Aproximou-se e beijou-o em ambas as faces.

- Você também aderiu à moda dos beijinhos, Praetextatus? - Ironizou Tertius Pompilius.

- Todo mundo se beija hoje em dia, meu caro Tertius Pompilius! E eu sei onde ponho a minha boca!

- Que seja, - ponderou o visitante - só que estou aqui para saber o que trouxe da África desta vez. O povo anda insatisfeito e o imperador incumbiu-me de preparar uma edição especial dos jogos... precisaremos de muitas bestas exóticas para a arena.

- Ah, sempre os jogos - lamentou-se Praetextatus. - Mas vamos discutir negócios no meu tablínio.

Entraram no pequeno escritório que abria diretamente para o átrio e sentaram-se frente à frente em cadeiras de armar. O traficante pegou um rolo de papiro, desenrolou-o, e foi lendo em voz alta, interrompido aqui e ali pelo visitante.

- Leopardos... crocodilos... hipopótamos...

- Ainda conseguiu trazer hipopótamos? - Surpreendeu-se o visitante.

- Estão cada vez mais raros no Nilo, mas a plebe gosta deles, não é?

- Quando mastigam condenados à morte, sim.

- Pois então. Hipopótamos... e leões...

- Leões contra hipopótamos contra prisioneiros de guerra poderia ser interessante - ponderou o visitante.

- E tem também uma girafa...

- Uma girafa? - Tertius Pompilius pareceu ficar intrigado. - O que faz ela? Dança? Reverências para o público?

- Nada. É uma girafa, não um elefante. A girafa não faz nada.

- E o que tem isso de especial?

O traficante fez uma pausa como se estivesse procurando as palavras certas.

- Veja... já parou para pensar que, muitas vezes o público vai aos jogos apenas para ver os animais? Não especificamente para ver animais matando ou sendo mortos. Apenas vê-los.

Tertius Pompilius encarou-o com uma expressão vazia.

- E é aí que entra a sua girafa?

- E por que não? Depois de toda a hecatombe, soltamos a girafa na arena e ela entra, toda desengonçada, e corre de um lado para o outro, entre homens que agonizam e pedaços de corpos...

Tertius Pompilius pareceu mergulhar em seus pensamentos, como se estivesse visualizando a cena. Finalmente, balançou a cabeça.

- Isso pode dar certo, Praetextatus. Sim, uma girafa... é quase um interlúdio estético!

O rosto do traficante iluminou-se.

- Sabia que era um homem refinado, Tertius Pompilius!

[21-02-2017]