Conto Insólito #008: LARRY E DEBBIE

LARRY E DEBBIE

Conto Insólito

Sentado em minha escrivaninha, tento escrever um conto a fluir em minha mente.

Um quarto mobiliado com móveis de mogno. Cores ambientes cuidadosamente escolhidas de acordo com o meu perfil, temperamento. Lustre de cristais pingentes a simular uma lucente cascata. Faz as vezes de escritório. Viajo em pensamento, quando ouço meiga voz a me chamar:

_ Larry!

_ Yeah, Honey!

_ Come here, please!

_ Just a moment!

_ Hurry up, Darling!

_ OK, Debbie!

Opa! O que é que isso? Essa não é minha língua! Nem minha casa, nem essa é minha esposa! Muito menos minha história! O que é que está acontecendo?

_ Larry! Come on!

Apresso-me a atender logo seu chamado, apesar de não entender o que eu faço ali. Pior! Por que não consigo falar em Português? Saindo do quarto, vejo, no início do corredor um interruptor diferente. Dois botões “tri-ways” e, sobre estes, um painel com tecla SAP. _ “Será? Não custa tentar.” _ Volto dois passos e pressiono o dito botão para ver no que dá. Uma espécie de “reload”, me traz de volta ao escritório como no início.

Larry!

_ Ja, Honey!

_ Kom hit, snälla!

_ Ett ögonblick, tack!

_ Skynda dig, älskling!

_ OK, Debbie!

Oj! Vad är det här? Det här är inte mitt språk! Mycket mindre mitt hus och detta är inte min fru! Mycket mindre min historia! Vad händer?

_ Larry! Kom igen!

Arre égua! Agora mais essa. Sueco? Devo estar maluco! Volto ao corredor e encontro novamente a tecla SAP no painel do interruptor. Resolvo antes experimentar o menu. Uma pequena tela sai e se posta na vertical. Vejo as línguas disponíveis. English, Sweden, Afrikaner, Dutch, Deutch, Español, Français etc. Até Onirish, tinha, menos Português. _ “Danou-se! Não é possível!” Penso. Um discreto botão com a inscrição <<More...>>. Pressiono e, finalmente lá estava o meu querido Português. Opção definida. Volta tudo ao início, mas a fala continua em inglês. Em compensação, uma legenda nos acompanha ao nível do rodapé como nos filmes. Espera aí! Que história mais doida é essa, sor! Mais um clique e aparecem idiomas dublados. Escolho Português BR. Mais uma vez, voltamos ao início, porém desta vez, falo e escuto em Português, embora tenha ficado bem gozado. As vozes, volta e meia saem de sincronismo com os nossos lábios, como se fora uma dublagem malfeita. Menos mal. Pelo menos todos entendemos o que se passa em nosso apartamento, no décimo quinto andar do Edifício Onirópolis, Ap 1508.

_ Larry!

_ Sim, Querida!

_ Vem cá, por favor!

_ Só um momento!

_ Anda logo, meu bem!

_ Certo, Débora!

_ Larry! Chega aqui, pertinho!

Esquisito! Chego onde a Debbie se encontra e, não a reconheço como minha esposa. Mas deixo rolar para ver onde isso vai dar. Cumprimento nossos filhos ao redor de uma grande mesa de dez lugares. Dois desocupados, ou seja, os nossos.

_ Meu bem! Está preparado para domingo que vem? _ Diz a Debbie.

_ Sim! Que tem domingo mesmo?

_ Ah! Tás brincando! Claro que você se lembra. É o aniversário do Trevor. Vai dizer que não se lembra! _ E não me lembro mesmo.

_ Como esqueceria o aniversário de nosso melhor amigo? _ Pior que nem sei quem é o tal Trevor. Para mim soa tão estranho quanto o seu próprio nome.

_ Eu vou levar um frango. Sim! Um salpicão, receita de família. Você compra o coentro.

Pergunto quanto e ela responde que um quilo. Acho absurdo, mas ela é quem sabe. Continua...

_ Imagina, meu bem! Lucy Stack só quer ser piegas, toda spilicute. Só pra se esnobar me disse: "Vou levar 'shrubiliss lisss tu' e "curulipsum ding". Já a Sásquia Pureza, disse que levaria outro prato especial, um "shrubilitiss yasnit lisss tu" e "curulipsum scrompied ding". Que pedantes! _ Diz isto em tom de socialite surgente.

_ Meu bem! Hum, hum! _ Temperando a garganta _ Vamos ao quarto que preciso ter um particular contigo. Vamos?

Entramos em nosso quarto suntuosamente decorado. Mais estranho me sinto, pois é como se eu nunca tivesse estado ali. Será que estou esquizofrênico, bipolar ou, quem sabe, tenho múltiplas personalidades? Oh, louco! Pior que não. Estou em pleno uso de minhas faculdades mentais. Mas vou a fundo para ver onde isso vai dar.

_ Meu bem, preciso conversar com você. _ Continuo como seguindo um script. _ Até quando essa bobagem de greve de intimidade vai dar! Estou subindo pelas paredes e você nem aí!

_ Calminha, Larry! Tudo a seu tempo. Também estou nesse mesmo ponto. Mas antes precisamos colocar uns pingos nos is. Sabe, comprar nossa casa nova, mobiliá-la, isso, isso, isso e mais aquilo? Pois é! Entende?

_ Mas não acha que vai ser um longo caminho para a gente finalmente nos acertar de uma vez por todas? Assim, você deixa seu gatinho com fome e o força a se safar em outras paradas.

_ Deixa de ser assanhado, meu dengo! A gente pode ir-se acertando, à medida que as coisas vão sendo definidas.

_ Beleza! Por falar nisso, que tal a gente começar hoje colocando as crianças para dormir cada qual em sua cama, em seus aposentos e não aqui em nosso aconchego?

_ Boa ideia! Crianças! Aqui! Beijos do pai e da mãe! Chispa! Cada um pro seu quarto!

_ Bênção Pai! Smac! 'Ça, Mãe! Smac!

Enfim, sós. Enquanto abraço Debbie, um pensamento me assalta e me tira de campo. _ “Meu D'us! Que história mais doida é essa que certamente não é a minha! Não sou bígamo! Não sou adúltero! Como entrei nesse enredo tão absurdo? Não recordo de ter-me divorciado da Suzana. E o que estou fazendo com essa desconhecida? EU NÃO SOU BÍGAMO! NÃO SOU ADÚLTERO! NÃO SOU BÍ...” Enquanto me conflito, Debbie sacode meus ombros: _ “Larry! Larry! Por que ficou assim tão estranho? O que está acontecendo?” _ De nada adianta. Apago-me num profundo sono.

Às seis da manhã, Suzana falando ao meu lado:

_ Od! Acorda! O que foi? Você estava tão agitado dizendo coisas que não entendia. Quem é essa Debbie? Esse foi o único nome que repetia e eu consegui entender. O que está acontecendo, meu cheiro?

_ Ah! Susie! Graças a D'us! Valeu por ter-me despertado! Que sonho mais esquisito? Sonhei que eu não era eu e você não era você! Loucura total! E vivíamos uma história que não era a nossa. Tínhamos filhos que não eram os nossos. Era como se fosse um filme onde atuávamos e você e eu éramos os atores principais dessa louca trama.

_ Fica frio, amor! Foi apenas um sonho ruim.

_ Sim, Honey (ops)! Que bom que foi apenas um pesadelo!

Após o asseio matinal, dirijo-me à copa para o café da manhã. Olho para o quadro de interruptores do início do corredor e lá está o painel com a inscrição "S.A.P." _ “O quê! Isso não pode ser!” _ Ouço alguém em Inglês:

_ Time to breakfast! Come on, Everyone! Feel at easy!

_ Socorro, Susie! De novo não!

_ Calma, Od! É nossa filha Débora preparando sua aula de Inglês.

_ Ainda bem! Graças a D'us!

Volto a observar e eis novamente, num adesivo, o nome SAP que o Júnior colara ali, como lembrete. UFA! Que alívio. S.A.P. - S.om A.utomotivo P.araíso. Apenas uma sigla que quase me fundiu a cuca.

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 06/06/2014
Reeditado em 11/06/2014
Código do texto: T4834161
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