O cordão de luzes

Ao chegar do trabalho à noite e entrar na minha ampla casa num subúrbio residencial, a primeira coisa que notei foi um cordão de luzes, daqueles de árvore de Natal, pregado na parede da sala. Um cordão com precisamente 36 lâmpadas. Abaixo de cada lâmpada, havia uma letra escrita à giz colorido. O alfabeto inteiro. E depois, os números de 0 à 9. Quanta inventividade!

A casa parecia deserta, mas ouvi barulho de água no banheiro. Dirigi-me para lá.

- Quem está aí?

- Sou eu pai, Norma. Estou no banho!

Norma é minha filha caçula, de dez anos. Residimos ali, eu, ela, minha esposa e uma outra filha, Nádia, dois anos mais velha do que Norma.

- Pra quê aquele cordão de luzes? - Gritei, para me fazer ouvir acima do barulho do chuveiro.

- São para comunicação com o Mundo Invertido! - Ouvi gritar de volta.

- Sua mãe não reclamou por você estar sujando a parede? - Questionei.

- A mamãe não voltou ainda. Por isso resolvi usar esse cordão... caso ela entre em contato.

Tive um sobressalto.

- A sua mãe não voltou... de onde?

- Ela foi atrás da Nádia... acho que foi parar no Mundo Invertido!

Balancei a cabeça, intrigado, e voltei para a sala. Sentei-me no sofá. Precisaria esperar que Norma saísse do banheiro para saber mais detalhes daquela história estranha.

Foi então que uma das lâmpadas do cordão se acendeu: "N".

Outra letra: "A". E depois, "O". Um "E", um "H", "E" novamente, "L" e "A".

As luzes da sala piscaram. Senti um cheiro estranho, de mofo, ao meu redor, e um vento gelado soprou vindo de não sei onde.

- NAOEHELA... - li em voz alta.

Apreensivo, percebi que o ruído do chuveiro cessara. Pouco depois, ouvi a porta do banheiro sendo aberta, lentamente

- Norma? - Perguntei, erguendo-me do sofá.

As luzes da sala se apagaram. E na parede, o cordão de luz soletrava, freneticamente, N-A-O-E-H-E-L-A... N-A-O-E-H-E-L-A...

- [12-08-2017]