Estação das Maravilhas

A música em meus ouvidos parou, havia só o barulho dos meus passos e da minha respiração. Havia somente o vento a beijar-me. Continuei indo avante, retomando meu caminho. Condenaram-me a sempre lidar com a solidão; saturno em aquário. Uma, duas, três... várias vezes me vestiram de esperança e logo me degolaram. Mas agora eu mesmo sei repartir meu coração bolorento, retirar o mofo e torná-lo sempre puro de novo. Aprendi a me regenerar como rabo de lagartixa. Espero a primavera para nascer novamente. Enquanto isso, vivo meu inverno implacável. A ansiedade me poda e me zomba.

Um silêncio tão macabro e profundo rondou-me. Uma coruja piou. Eu estava preso em um jogo. Você me controlava. Tudo parecia tão real, e nada era. Hologramas me deixavam ainda mais inseguro. Alguns fantasmas te assombravam e te faziam se perder no caminho, sem tomar uma decisão... e os dados ainda rolavam. Eu aposto no destino e acredito em você, eu disse. Então, um gato sangrando surgiu de um beco, atravessando meu caminho. Ele brincava inocentemente com um velho relógio. Aproximei-me para ver se estava ferido, quando vi que, na verdade, era uma bomba o seu brinquedo. Ele correu assustado e pulou dentro de uma lixeira. Um grande estrondo rompeu o silêncio, e eu caí dentro do lixo junto com felino de olhos assustados. Adormeci.

Naquele momento me senti tão menor do que eu era. Senti-me como a borboleta que se transforma em lagarta. Pisaram todo o meu jardim e devastaram minha horta. Tudo o que eu queria era minha casa, meu casulo. Talvez eu estivesse louco, sim. Meu coração empunhou espadas e arranjou escudos. Mais que jogar, agora ele sabe lutar. Tento arrumar uma gaveta onde trancar os teus fantasmas e os meus, os teus peões, cavalos e rainhas.

Tudo era tão claro que me cegava. Já era manhã, e a lua ainda estava pálida no céu de maio. O frio da madrugada se dissipava aos poucos. Eu estava sujo e fedido. Alguém tossiu por perto, e então percebi também o cheiro de cigarro espalhado pelo vento. Um mendigo fumava ali, contemplando o nada. Sem nada dizer me ofereceu um trago do seu cigarro, e eu aceitei, agradeci e retomei o meu caminho novamente. O gato de antes estava morto no canto da calçada e um rato o cheirava. Sigo sem rumo, esperando o final do jogo. Enquanto isso tento manter uma carta na manga. Que venha a primavera!

Rodrigo Amoreira
Enviado por Rodrigo Amoreira em 21/04/2017
Código do texto: T5977298
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