DISFORME


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Era uma vez...
Uma vez que nada,  Carmem ouvia sons estranhos todas as madrugadas, no horario do entremeio do sono, nem bem dormindo, nem totalmente acordada, eram  ruídos de pés rastejando, ossos partindo ou algo parecido, às vezes sussuros, como vozes roucas embargadas, levantou da cama alguns dias, mas, nunca era nada, talvez um sonho inacabado, quiçá um pesadelo que não teve continuidade. Carmem contou para uma amiga, ela achou bobagem, nem lhe deu atenção, mas, Carmem andava cismada, já escutava os sons há pelo menos uma semana. Andava com insônia de tanta ansiedade, mas, quando totalmente acordada, nada ouvia.

Três dias de noites mal dormidas, ela andava com olheiras profundas e com o corpo cansado. Naquela noite escura e sem Lua, Carmem dormiu profunda e serenamente, acordou lá pelas tantas da madrugada, sentindo um cheiro de mofo, de terra úmida e coisa podre, horrível fedor, acendeu a luz, olhou pelo quarto, nada tinha por ali, que justificasse aquele odor que invadia as suas narinas delicadas, sem pedir licença. Correu então até a janela, pois o cheiro parecia vir lá de fora, viu sombras já bem distantes, uns quatro vultos se arrastanto, pois não caminhavam de forma ereta, andavam como quê, curvados, não dava pra saber quem eram.

Carmem morava sozinha, numa casa de um subúrbio pacato e interiorano, a cidadezinha era tranquila, todos se conheciam, era uma centena de casas e sítios, uma igreja, um grande armazém, onde se encontrava de um tudo, lojas de tecidos, um armarinho/papelaria, Correios e posto de gasolina, uma padaria/sorveteria e um bar/boliche, que era a única real diversão por ali. Próximo uns dois quilômetros da rua da igreja, havia uma cachoeira com uma parte cercada de pedras redondas em formato de círculo, que formava uma piscina natural deliciosa, quase toda a população se encontrava por lá, nas tardes de Sol ameno aos domingos, depois da missa e antes do almoço. Aliás muitas vezes levavam seus farnéis e faziam uma espécie de piquenique, onde todos confraternizavam e estreitavam os laços de amizade, delícia de lugar.

Carmem, contou o que vira para várias pessoas e só a olharam com ternura. Algumas senhoras, até comentaram à boca pequena, que Carmem, precisava arrumar um namorado, andava sozinha há muito tempo, devia estar delirando, por não ocupar a mente com coisas gostosas, riram baixinho. Em suas grisalhas cabecinhas, Carmem precisava mesmo, era de um marido.

Nessa mesma noite, sentiu de novo o odor fétido, desta vez correu direto até a janela e pode ver os mesmos quatro vultos se arrastando, ainda assim ao longe, sem que ela pudesse ver seus rostos, mais uma vez, ficou intrigada, sentindo-se mesmo, frustrada. O fedor dentro do quarto persistia, abriu a janela, a porta da varanda, a porta do quarto e ao chegar perto da porta da cozinha, ela estava entreaberta, Carmem foi se aproximando devagar, sentindo o cheiro de mofo e coisa podre aumentar, o medo com um misto de curiosidade remexia tudo dentro dela.

Numa atitude impensada, escancarou a porta da cozinha de supetão e deu de cara, com um homem, imundo, enorme, fedido, com partes de carne soltando dos ossos e tendo na face disforme, um par de covas no lugar de olhos, horrivelmente deformado e nos seus últimos instantes de sanidade, ouviu uma voz gutural dizendo...Carmem...Carmem...


 
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 20/01/2017
Reeditado em 21/01/2017
Código do texto: T5887874
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