Raízes Calcificadas

Seus olhos perspicazes perscrutavam o panorama em busca de algo novo. Uma árvore diferente para ser escalada, alguma elevação para ser subida, ou qualquer coisa que fosse capaz de tomar um pouco de sua atenção. Mas nada encontrava. Suas tardes de diversão durante aquele verão haviam sido de exploração e descobrimento, então já era de se esperar que apenas em metade de suas vacações, houvesse descoberto tudo em seu raio de perambulação.

Em sua mesa, dispostos em diversos potes, uma quantidade considerável de insetos mortos poderiam ser encontrados, servindo como espólios dos dias de aventura. Sua cabecinha de dez anos, apesar de nova, era eficiente. A inteligência era uma herança de família, e o garoto sabia fazer sua parte. Gostava de aprender o que estivesse a sua disposição, e a curiosidade era uma de suas qualidades.

Naquela tarde em que buscava algo novo, sua mãe não se encontrava por perto. O perímetro de locomoção começava nos fundos da casa e ia até os limites de uma pequena floresta, que ficava algumas centenas de metros de distância. Por vezes ele se sentiu tentado a penetrar por entre as árvores e explorar aquele lugar tão novo e chamativo, que a cada dia mais parecia exercer uma atração irresistível. O balançar do vento nas árvores transformava os galhos em longos braços, cada um munido de mãos esqueléticas e repleta de folhas, movimentando os dedos de forma graciosa. Durante todo aquele tempo ele resistira, compelindo-se a negar cada investida que a bela floresta tentava. Mas agora, vendo-se parado ali, admirando as copas das árvores majestosas que se esticavam até o céu, ele olhou para trás. Não havia sinal de sua mãe em parte alguma. Parado na borda de sua divisa imaginária, ele fitou o emaranhado de folhas formando um tapete no chão, com o cheiro de pinhos e terra úmida impregnando as narinas. Sorriu e buscou a inspiração necessária para quebrar aquela barreira criada por sua mãe, lançando mais uma olhadela para trás.

Por dentro, pensava nas coisas novas e excitantes que poderia encontrar no mundo novo e tão próximo. Movimentou um pé, esperando que um alarme gigante surgisse por dentre as árvores, denunciando sua quebra de regras. O mundo congelou no instante e que pisou além da faixa. Seu coração batia forte pelo prazer de andar fora da lei, e ele aguardou. Nada aconteceu. Buscou olhar em volta, e tudo continuou na mesma. Atravessou a linha com o outro pé, e agora, dentro da floresta e completamente fora do perímetro estabelecido por sua mãe, ele se sentia uma nova pessoa. Tudo a partir daquele ponto era novo e significava uma excitante descoberta.

Começou a caminhar, sentindo os galhos secos rachando com suas passadas, e as folhas chiando com suas pisadas, e os pássaros cantando em sua costumeira mania. As sensações maximizaram e tudo parecia mais bonito, mais verde, marrom e amarelo. Andou por alguns metros, surpreendendo-se com a miríade de cogumelos crescendo aqui e acolá, agarrados em árvores vivas ou e troncos podres. Durante certo ponto, enquanto admirava alguns fungos de formatos e colorações engraçadas, algo chamou sua atenção.

Repousando em uma árvore qualquer, completamente alheia ao que acontecia ao seu redor, uma magnifica borboleta descansava. Suas asas apresentavam uma coloração esverdeada intensa, começando escuro nas pontas e descendo em degrade para o meio. Seu corpo dividia-se em listras douradas e vermelhas, enquanto antenas reluziam tal como pequenos fios de ouro. O garoto, fascinado com aquele ser incomum no seu raio de vivência, apenas admirou. Sorrindo, feito bobo. Pensou que naquele momento gostaria de ter consigo a pequena câmera que a mãe guardava na terceira gaveta do guarda roupa. Apesar da enorme satisfação de poder conservar aquele momento em sua memória, tinha também a vontade de poder olhar para ele sempre que possível. Também passou por sua cabeça que gostaria de ter um pote bem grande disponível, pois assim poderia preservar aquela beleza e admirá-la todos os dias em sua mesinha.

O tempo ameno era completamente anulado dentro da floresta, e foi o frio que o tirou de seu estado de contemplação. Sentiu uma brisa gelada correndo pelo corpo e perdeu total atenção na borboleta quando ela alçou voo e desapareceu por entre as folhagens. Enquanto acompanhava, o menino olhou para cima e viu que o sol não atravessava o denso verde. “Agora sei o porquê do frio”, pensou. No entanto, aquele lugar tão novo e desconhecido ainda tinha muito a oferecer. Abraçando a si mesmo, seguiu cada vez mais para dentro.

Caminhou durante um bom tempo, catando coisas pelo chão e tocando em outras que encontrava pelo caminho. Durante a jornada, encontrou uma colônia de formigas gigantes. Parecia um aglomerado de besouros, negras e carrancudas. Em outro ponto, encontrou uma árvore repleta de ovos de insetos. Pensou em um berçário humano e imaginou que ali era como um hospital para animais. Sorriu com o pensamento e continuou em frente. Avistou, ao longe, uma clareira que formava um grandioso círculo no coração da floresta. O canto dos pássaros ainda era audível dali, mas bem tênue. Alcançou o descampado e finalmente se deu conta do que o tinha impelido a entrar naquele lugar.

No centro do local, uma grandiosa árvore impunha sua beleza. Era como um dragão de pedra transformado em natureza. Seus galhos abriam-se tal quais asas, repletos de folhagens multicoloridas. A casca era grossa e parecia impenetrável. Seus olhos inocentes nunca haviam registrado tamanha imponência. Mas o que mais chamou sua atenção foi a grande abertura entre as raízes, que formavam uma entrada em V ao contrário. Era grande o suficiente para que um adulto passasse, e com a fraca luz que vinha do sol escondido por nuvens esparsas, pôde ver que uma passagem levava para o interior. Ali onde se encontrava, diferente do chão de onde viera, a grama cobria toda extensão ao redor da árvore, verde como enxames de esperanças. O vento frio que soprava, agora parecia ter desaparecido, e uma leve brisa balançava a campina esverdeada a sua frente.

Com a excitação incontida, correu em direção à árvore, mas no meio do caminho um movimento ao lado de uma das raízes o fez se conter. Parou, olhando desconfiado. Teve medo que pudesse ser alguma fera escondida. Não sabia muito bem se existia ou não leões naquela área, mesmo tendo visto em um livro que não existiam leões na Irlanda. Aguardou por mais um movimento, e então teve certeza que havia algo lá quando uma pequena criatura se fez parecer.

Olhos castanhos, uma roupa tão verde quanto o campo que era difícil de distinguir quem era o quê. A única coisa que tornava essa distinção possível era a barba vermelha e o cabelo de mesma cor, desgrenhado, embaixo de um chapéu da mesma cor de todo o resto. O pequenino aproximou-se, sorridente, com dentes amarelados e vivazes. O garoto, assustado, deu alguns passos para trás, mas então viu o sorriso morrer no rosto da criaturinha, transformando-se em um olhar de decepção. Ele sentiu que o outro queria apenas se aproximar, e então parou.

- O que é você? – perguntou, com sua admirável curiosidade.

– Eu sou um duende – a criaturinha respondeu, e agora mais perto, era facilmente discernível do ambiente. Retirou o chapéu da cabeça e fez um gesto educado. – Mas todos me chamam de Leprechaun.

– Você é um leprechaun? – o menino arregalou os olhos. – Mas minha mãe disse que leprechauns não existem.

– Bom, - disse o duende, rodopiando e se amostrando – parece que sua mãe estava errada – abriu um largo sorriso.

– É verdade – ele retribuiu o sorriso, mas apesar de sua excitação, ainda parecia desconfiado. Lentamente ele se sentou e ficou quase em mesma altura que seu companheiro. – Dizem que vocês guardam potes de ouro em final de arco-íris. Isso também é verdade?

– Isso foi uma mentira contada há muito tempo, quando nossa espécie ainda não havia descoberto algo especial pelo qual pudéssemos ser lembrados. – respondeu o leprechaun, andando de um lado para o outro, pulando e sempre sorrindo. – Arco-íris não tem fim, meu amiguinho. Mas precisávamos de algo bem fantástico para ser passado adiante. Durante a existência, acabamos realmente descobrindo que temos habilidade para encontrar ouro, mas guardamos em nossas tocas.

– Como aquela ali? – perguntou o garoto, apontando para o vão entre as raízes das árvores.

– Exatamente. Fiquei surpreso em ter encontrado alguém por aqui novamente. Há tanto tempo que não vejo um ser humano – agora ele parecia triste. – Já consegui reunir três potes de ouro de tanto tempo.

– Ninguém costuma entrar aqui nessa floresta. Minha mãe me disse que as pessoas tem medo. Muita gente desapareceu aqui, diz ela.

– Realmente, houve algumas tragédias nesse local. Sempre me senti mal por morar em uma floresta tão mal recomendada, mas é o preço que pagamos por herdar as terras de família.

– Então existem outros iguais a você? – A curiosidade do menino gritava e explodia nesse momento. Nunca havia imaginado o quão seria bom sair de seu “local seguro”, como dizia a mãe. Voltar para a escola e contar suas aventuras seriam as melhores coisas do semestre inteiro.

– No momento, eu vivo sozinho. Se ainda existem outros iguais a mim, não sei. Não posso sair de perto de minha casa, por isso sempre convido meus amigos viajantes para tomar um chá.

– Eu gosto de chá – disparou ele, aguardando um convite.

– Eu já imaginava – o leprechaun sorriu, – venha comigo e vamos nos aquecer um pouco e contar histórias.

– Tudo bem, mas não posso me demorar. Logo minha mãe estará me procurando.

– Não se preocupe, pequeno aventureiro. Em breve ela o encontrará.

O leprechaun saiu saltitante, enquanto o menino levantava e o seguia de bom grado. Olhava para trás a cada movimento, e em todas as vezes se deparava com o olhar sereno e animado do garoto. Chegou a entrada da pequena toca e chamou seu acompanhante.

– Entre e sinta-se em casa, pequeno amiguinho.

Ele hesitou durante um instante, ponderando sobre tudo que tinha ouvido. Sua mãe sempre lhe dissera para não andar com estranhos, mas era a mesma mãe que havia mentido dizendo que leprechauns não eram reais. Chegou à conclusão de que entraria, tomaria o chá e contaria histórias para o resto da vida.

Ao longe, parecia maior, mas ali era pequeno e não conseguiria passar em pé. Agachou-se na entrada e engatinhou para dentro do buraco. O pontinho verde e vermelho se locomovia alegre em sua frente. Tão leve quanto um sopro de ventania. Suas mãos e joelhos esbarravam a toda hora em galhos secos, que quando quebrados, levantam uma fina poeira branca pelo ar.

Continuou a seguir o duende para o interior da caverna, e seu tapete de boas vindas era formado de ossos.

A busca continuou por longos anos, mas a mãe do menino nunca mais ouviu falar dele.

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Olá, amigos Contadores. Não iria participar esse mês, pelo fato de estar sem computador, mas consegui um acesso rápido e tive que produzir algo. Não é nada grandioso, mas não poderia deixar passar em branco um dos melhores temas que tivemos no Contadores. Então, caso haja muitos erros, não poderei consertá-los pelo fato de ficar sem contato com o PC até no próximo fim de semana. De qualquer forma, agradeço a participação de todos vocês e desejo boa sorte no desafio.

Um obrigado especial meu, da Maria e do Miguel. Vocês não fazem parte do Contadores de Histórias, vocês são os contadores!

Jefferson Lemos
Enviado por Jefferson Lemos em 04/07/2015
Reeditado em 01/09/2015
Código do texto: T5299655
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