Medidas extremas

[Continuação de "Formatos incompatíveis"]

Estanho Pires parou o Mercury Bobcat vermelho em frente à uma casa modesta, no subúrbio de Bigode da Onça. No banco do carona, Sal Gema perguntou:

- Como sabe que é esta casa?

Ele mostrou o pager.

- O chefe da organização, a Entidade, mandou-me um código numérico significando que as próximas mensagens seriam as coordenadas de um local no mapa da cidade.

E apontando a casa:

- Este aqui.

Sal abriu as mãos, como quem duvida.

- Certo, mas o que vai ter que fazer aqui? E se for uma armadilha?

- Quem quer que viva aqui, deve ter alguma relação com a organização. A Entidade informou a sequência de frases em código que devo utilizar para fazer contato. A partir daí, saberei que medidas devo tomar.

E abrindo a porta do lado do motorista:

- Você fica ao volante, motor ligado. Se algo der errado, precisaremos sair daqui o mais rápido possível!

- Sim, Clyde! - Sal piscou-lhe o olho.

Pires fez uma careta e saiu do carro. Aproximou-se do portão da casa e tocou a campainha. A porta da frente foi aberta numa fresta, e um vulto espiou por ela. Ele acenou. A porta abriu-se mais, revelando-se a figura de uma mulher baixa e morena, cerca de 40 e poucos anos de idade, cabelos pretos e lisos amarrados num rabo de cavalo. Parecia uma empregada e se vestia como tal.

- O que deseja? - Ela indagou, sem fazer menção de aproximar-se.

- Procuro uma floricultura nesta rua, que venda cravos.

- Não há mais floriculturas nesta rua - respondeu ela. - Talvez tenha mais sorte no Horto Botânico.

- Meu tanque está na reserva. Será suficiente para chegar lá?

- Quanto você ainda tem de gasolina?

- Doze litros e meio.

A mulher apertou algum dispositivo na parede ao seu lado e o portão deu um estalo. Ele empurrou-o e viu que estava aberto. Avançou rumo à porta. Quando chegou em frente à ela, a mulher lhe disse:

- Este código só deveria ser utilizado caso Turquesa Fontana desaparecesse. O que houve com ela?

- Não vejo Fontana há dias - retrucou. - Mas se o que diz é correto, temos que partir do princípio de que ela foi capturada pela Polícia Especial.

- Entre - respondeu a mulher, franqueando-lhe a passagem.

De pé, no meio da sala, estava uma adolescente magra, cabelos arranjados em duas tranças castanhas que lhe davam um ar mais infantil do que talvez fosse sua intenção.

- O que houve com minha mãe? - Perguntou.

* * *

A empregada, Jaspe do Monte, serviu chá gelado e muffins com passas para Estanho Pires, Sal Gema e a adolescente, na cozinha da casa.

- Eu cuido de Ágata desde que ela era bebê - explicou Jaspe, indicando a garota. - Por razões que podem compreender, Máximo Ribeiro não deve saber da existência dela.

Estanho Pires decidiu não falar ali nada sobre suas suspeitas quanto à lealdade de Turquesa para com a organização. De qualquer forma, se ela passara anos ocultando de todos que tinha uma filha com Máximo Ribeiro, não era crível que fosse escolher justamente aquele momento para fazer a revelação. Exceto, é claro, se houvesse sido realmente capturada e estivesse sendo torturada para informar, digamos, o paradeiro dos planos da Bomba Seletiva - algo que ela não tinha como saber.

- O mais seguro é que vocês duas venham conosco para um local secreto, que não seja conhecido por ninguém da organização - exceto eu - declarou.

Ágata Fontana não parecia muito segura.

- Como vamos saber se você não está trabalhando para meu pai? - Questionou ela.

- Se eu sei o código que sua mãe determinou que só deveria ser utilizado em caso de emergência, você tem duas alternativas: ou eu estou dizendo a verdade, ou sua mãe está morta. Se eu fosse um agente da repressão, não precisaria usar código algum: simplesmente cercaria a casa com minhas tropas e arrancaria você de dentro à força.

Ágata Fontana pareceu render-se às evidências.

- Mas o que aconteceu com minha mãe? E se ela me procurar e a Jaspe, e não nos encontrar?

- Não temos como saber - admitiu Pires. - Mas certamente, o código me foi enviado para que retirasse vocês daqui. E se eu fui o escolhido, há uma grande probabilidade de que os demais membros da organização tenham sido capturados pela repressão. Mais um motivo para não ficarmos aqui nem mais um minuto que seja.

Jaspe balançou a cabeça, afirmativamente.

- Estanho Pires tem razão, Ágata - determinou ela. - Precisamos sair daqui, agora. Vá pegar sua mochila.

As duas já tinham mochilas de fuga prontas para qualquer eventualidade, embora, depois de 16 anos, imaginassem que nunca chegariam a usá-las. Pois, a hora havia chegado.

Com as duas mulheres no banco de trás, Estanho Pires arrancou de volta para o apartamento de Sal Gema, na Perna da Saracura. Ao porteiro do dia, ela as apresentou como tia e prima, vindas do Vale das Sombras. E Estanho Pires?

- Esse é o meu noivo! - Declarou, orgulhosa.

Estanho Pires fez uma careta, mas achou melhor não desmentir.

[Continua]

[20-11-2017]