Meu lugar no Paraíso

Todo dia eu perco alguma coisa.

Recentemente, perdi o meu emprego.

Duas horas antes de encerrar o turno, o encarregado reuniu a turma no salão e deu a notícia do “corte”.

Eu estava entre os demitidos.

Mal consegui esconder minha raiva.

Estava eu, outra vez, pagando as contas do patrão.

Quando as coisas iam bem, minha força de trabalho garantiu os luxos dele, quando capengavam, ele cortava na minha carne o que deixava de lucrar.

Eu perambulo pelas ruas, competindo com meus iguais por uma nova colocação no mercado. O patrão não pode cancelar a viagem anual para a Disney.

Ele não sobrevive sem gozar de seus privilégios.

Tenho de torcer para outro trabalhador, pobre como eu, se “dar mal” e então, sobrar pra mim uma vaga de emprego.

Fico por aí, me sujeitando a qualquer trabalho. Vendo balas, entrego panfleto no calçadão, onde me oferecerem dinheiro honesto, eu vou.

Enquanto o patrão continua jantando semanalmente, em restaurantes caros com sua família, até arroz e feijão faltam na minha casa.

Injusta equação onde eu jamais ganho, só saio perdendo.

Perco o ônibus que nunca passa no horário.

Perco a consulta porque não tem médico ou roubaram a unidade de saúde.

Perco a namorada porque falta condição para fazer um agrado.

Outro dia, fui a uma agência bancária tentar um empréstimo com o propósito de pagar um pouco das dívidas.

Perdi lá, um pouco mais do orgulho.

Algumas semanas antes a “moça” tinha me telefonado, oferecendo crédito pessoal pra eu realizar meus sonhos, mas ali na minha frente o gerente dizia que o banco não autorizava.

Quem é o banco?

Desesperado, perguntei se o banco era uma entidade metafísica. Um ser extraterrestre.

Quem era afinal, aquela criatura inalcançável, chamada banco, que decidia sobre a dignidade de pobres mortais e nos “deixava na mão” quando mais precisávamos?

O gerente me ouvia, fingindo compreensão. Quis abrir a boca e iniciar um daqueles discursos cuidadosamente elaborados para humilhar os clientes.

Voltei pra casa sem permitir que ele continuasse falar e sem o dinheiro, deixando na sua mesa parte do meu amor-próprio.

Tem sempre alguém tirando o que é meu.

O político se corrompe com o meu voto. O “vagabundo” furta minha bicicleta. A polícia reprime meu direito de ir e vir. Nas igrejas tentam me vender a salvação.

Olhe eu, tendo de pagar para entrar no céu.

Até a televisão me trapaceia.

Despeja sobre mim um monte de notícia e propaganda mentirosa e eu fico assistindo, inerte diante do aparelho adquirido em não sei quantas prestações.

Não canso de me perguntar onde está meu lugar no paraíso que prometeram.

“Acredite no seu sonho e ele se tornará realidade”.

Quase me convenceram de que sucesso e prosperidade são para todos.

Mentira.

Sucesso é para o patrão, o banco, aquele pessoal da tv.

Para mim não sobra nada.

Carro do ano. Casa chique. Mulher bonita. Dinheiro no bolso. Nada.

Minha família de forma alguma se assemelha àquelas que aparecem nos comerciais de margarina ou de plano de saúde.

Gente bonita.Feliz.Bem sucedida.

Nem nome de pai eu tenho no meu registro de nascimento.

Pessoas como eu não tem direito a coisa nenhuma.

O paraíso tem seus escolhidos e pelo jeito eu não sou um deles.

Na Terra ou no céu, não sobra lugar pra mim.

Só se eu pagar.

Hoje eu não vou pagar, não vou perder nada.

Vou entrar no paraíso.

Ocuparei meu lugar.

Vai entrar um monte de gente comigo.

Lucia Rodrigues
Enviado por Lucia Rodrigues em 19/06/2017
Código do texto: T6031803
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