Prancha de surfe

- Playa Hermosa? Não estou indo ao México fazer turismo.

Carmelo deu de ombros.

- Ela está hospedada em Playa Hermosa. O seu contato. Cinthya Melissa.

Abriu a maleta de couro preto e estendeu-me uma foto colorida 10X15. Assoviei.

- Linda. Mas está com um bambolê na mão esquerda.

- Ela é casada. Se vai querer alguma coisa com você, é uma outra história. Mas tome cuidado: o marido é oficial do Senafront.

Devolvi-lhe o retrato.

- É o cara de cabelo grisalho com ela na foto? Pensei que fosse o pai...

- Ele deve ser uns 20 anos mais velho do que ela. História comprida. Mas, em parte, é o que explica ela ter resolvido trabalhar para nós.

- Arrumou um "sugar daddy"?

- Estamos aqui para falar da missão, não da vida da garota - atalhou Carmelo.

Ergui as mãos num gesto apaziguador.

- OK, OK... falemos de negócios. Vou me encontrar com ela em Playa Hermosa e pegar os dados sobre o próximo carregamento do cartel para a Cidade do Panamá.

- Isso. Exatamente. Oficialmente, ela estará na cidade para cuidar de um dos negócios da família, uma das lojas de material esportivo da franquia Wet'n'Wild.

Ergui as sobrancelhas.

- A mulher de um oficial do Senafront possui uma loja da Wet'n'Wild?

Carmelo abriu um sorriso irônico.

- Uma não, três. E isso só no México.

* * *

Por vezes, ao andar por Ensenada, Baixa Califórnia, tenho a estranha sensação de estar na Região dos Lagos do Rio de Janeiro: Araruama, São Pedro da Aldeia, etc. Principalmente ali, em Playa Hermosa. Casas de veraneio térreas, picapes pelas ruas... um arzinho de cidade interiorana à beira mar.

A filial da Wet'n'Wild ficava a umas quatro quadras da praia, numa rua comercial. Entrei na loja e entreguei meu cartão de visitas para uma vendedora com cara de índia, atrás do balcão.

- Sou Rico Portella, da Surf Trip. Vim ver Doña Cinthya.

- Seguro que sí - respondeu ela enigmaticamente, pegando meu cartão e desaparecendo por uma porta lateral. Retornou pouco depois, e deixando a porta entreaberta, me chamou:

- Venga, por favor.

Passei pela porta, que dava num corredor curto. De frente para ele, uma porta aberta: era o escritório de Doña Cinthya Melissa.

- Entre! - Disse em inglês uma voz de contralto vinda lá de dentro.

- Con permiso - respondi, e entrei.

Cinthya Melissa estava sentada atrás de uma mesa com tampo de vidro, coberta de papéis: faturas, notas fiscais, relatórios contábeis. Tinha cerca de 30 anos de idade e lembrava uma mistura de Mariah Carey com Ariana Grande, se isso fosse possível. Os cabelos castanhos, longos, haviam sido presos numa espécie de rabo de cavalo que escorria numa cascata ondulada parte pelo ombro esquerdo, parte pelas costas. Vestia uma blusa de seda salmão e uma saia longa, preta, que lhe caía até abaixo dos joelhos.

- Então fala espanhol? - Ela me perguntou sorridente.

- Por supuesto - respondi. - Imagino que prefira conversar em seu próprio idioma, não em inglês.

Ela me indicou uma cadeira à sua frente:

- Así es. Mas, sente-se.

Sentei-me. Ela continuava sorrindo, com dentes luminosamente brancos.

- Nunca havia conhecido um brasileiro antes.

- E qual é a sua impressão?

- Ainda é cedo para dizer.

Mas o sorriso me transmitiu outra mensagem.

* * *

Eu já conseguira as informações que viera buscar em Ensenada, mas resolvi que iria passar a noite ali e convidei Cinthya Melissa para jantar, na cara de pau. Para minha surpresa, ela concordou - com uma condição:

- Quero ver você fazer uma demonstração do seu produto. Afinal, a Wet'n'Wild tem um nome a zelar.

Então, fomos para Playa Hermosa à noite no meu carro alugado, levando uma das minhas pranchas prediletas. Ela num maiô branco, cavado, uma canga decorada com caveiras multicoloridas amarrada na cintura, literalmente linda de morrer. Estacionei perto do balneário e fomos para a areia, as ondas quebrando pequenas, pois afinal de contas, aquela era uma praia para iniciantes.

- Não espere uma grande exibição - disse eu, tirando a camisa e amarrando o leash no tornozelo.

Ela sentou-se sobre a canga na areia, pernas cruzadas.

- Você já viu como está o mar?

Parei, prancha debaixo do braço, e olhei.

Ao bater na areia, as ondas brilhavam num belo tom de azul fosforescente: bioluminescência marinha.

- É lindo! - Exclamei.

E corri para a água.

- [16-06-2017]