Por volta da meia noite

Por volta da meia noite, apago as luzes da casa e me acomodo na poltrona de chenille.

Na escuridão, aguardo.

Sei que chegarão a qualquer momento, mas não tenho pressa.

Estou confortavelmente sentado em minha poltrona. Ela é macia e o tecido que a reveste exala um cheiro agradável.

Não me lembro da data em que adquiri esta poltrona, aliás, não faço ideia das razões ou necessidade que me levaram a comprar esta peça e tantas outras bugigangas que “decoram” minha moradia.

Verdadeiro entulho adquirido à custa de muita humilhação.

Penso, neste momento, que não fiz um mau negócio. Diferente de outras peças espalhadas pela casa, ela tem sua serventia.

Posso descansar, depois de um dia exaustivo e desfrutar de uma fração do silêncio que, diariamente a mulher, as crianças, o patrão, o trânsito infernal e outros roubam de mim.

Começava a acreditar que aquietar-me dentro de minha casa era um sonho impossível.

Hoje, porém, a paz se estabeleceu aqui.

Estou livre das reclamações e exigências da mulher e da gritaria desordenada das crianças.

Sabe o que é poder ouvir a si mesmo?

Há anos anseio por esta ocasião.

Tem o relógio da parede. Artigo obsoleto. Tic, tac sem fim.

Quem precisa de um relógio de parede na era digital?

Se tiver tempo, retiro as pilhas e as escondo, ninguém será incomodado pela repetitiva melodia das horas e minutos.

Desconfio de que quando chegarem vai ser barulhento e aborrecido.

Para que não haja burburinho e estupefação, espero que não despertem os vizinhos.

Recostado, fecho os olhos.

Sabe que eu nunca havia me sentado aqui?

As necessidades reais ou imaginárias fizeram de mim um condenado.

Os ruídos do mundo todo me ensurdeceram. Ou seria enlouqueceram?

Hoje, entretanto a paz foi decretada nesta casa ,onde eu poderia refugiar-me após mais um dia de subordinação.

Buzinas, freadas, música alta, sirenes, ficariam do lado de fora da porta.

Será que vão demorar?

No andar superior a mulher e as crianças dormem eternamente, sufocadas com o travesseiro de pena de ganso.

Nem se debateram.

Espero que não ocorra alarde.

Quando me perguntarem o que fiz, responderei que, por volta da meia noite, o silêncio voltou a habitar minha casa.

Lucia Rodrigues
Enviado por Lucia Rodrigues em 21/04/2017
Código do texto: T5976735
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