Manjericão
Era nosso primeiro dia na casa nova. Emília chegou do trabalho e entrou pela cozinha, onde eu estava sentado, tomando café. Ao ver o vasinho com a planta sobre a mesa, franziu a testa. Ergui-me, e nos beijamos.
- Oi! Como foi o seu dia? - Perguntei.
- Ah, nem me pergunte - disse ela, sentando-se ao meu lado. - Ainda tem café?
- Eu fiz agora - respondi.
Enchi meia caneca de café aguado, doce, do jeito que ela gosta. Tomou um gole, fez um ar de aprovação, e depois esticou o lábio inferior na direção do vasinho de planta.
- Quem te deu isso?
- Como sabe que me deram? - Indaguei com ar de riso.
- Se você tivesse comprado, não deixaria num lugar visível para que eu descobrisse assim que entrasse em casa. Faria um pouco de mistério. Eu te conheço - disse ela, me piscando um olho.
- Verdade. Eu ganhei... aliás, nós ganhamos. Eu havia chegado do supermercado fazia uns cinco minutos, e a campainha tocou. Fui ver quem era... adivinhe...
Emília me encarou muito séria, cotovelos apoiados na mesa, rosto nas mãos. Mas não disse palavra. Prossegui então, meio sem jeito.
- A vizinha da frente.
Emília ergueu a cabeça, antebraços apoiados na mesa.
- Por que não estou surpresa?
Pareceu ponderar sobre o que iria responder. Finalmente, depois de passar um tempo olhando para o teto, voltou-se novamente para mim. Aparentava tranquilidade.
- O que ela disse quando entregou a planta?
- Que era um presente para a casa nova... para dar sorte.
- E que nome ela deu para a planta?
- Manjericão.
Emília balançou negativamente a cabeça. Comecei a ficar apreensivo.
- Isso não é manjericão - disse por fim.
E encarando com raiva o vasinho de barro cru:
- Isso é urtiga! E aposto que se revirarmos a terra, vamos encontrar um caco de vidro dentro!
Ergueu-se de um pulo e arregaçou as mangas do vestido, expressão decidida.
- Fique aqui! - Ela ordenou. - Vou tirar satisfações com aquela bruxa!
- Mas meu amor... - comecei a dizer.
Tarde demais. Feito um furacão, ela saiu pela mesma porta que havia entrado.
Após alguns instantes, ouvi um estrondo, seguido de gritos.
Depois, fez-se um silêncio sepulcral.
[20-04-2017]