O chiqueiro

- Capitão Smith?

O comandante ergueu os olhos de uma carta de navegação, aberta à sua frente na ponte de comando, e encarou o homem que acabara de entrar.

- Sim, Stevenson? Algum problema?

- De certo modo, senhor... tivemos uma baixa. O foguista O'Rourke desceu na escala em Queenstown e avisou que não voltaria.

Smith olhou pelas janelas panorâmicas da ponte, enquanto puxava pela memória; afinal, eram quase 900 tripulantes a bordo. A tarde ia pelo meio e o tempo estava bom, mar calmo.

- O'Rourke... acho que me lembro deste. Não foi o que fez um protesto contra as condições de trabalho?

- Esse mesmo, o irlandês da National Union of Seamen.

- Sindicalistas! - Grunhiu Smith. - Certamente que já foi tarde. E ainda temos outros 300 foguistas a bordo!

E com uma ponta de curiosidade:

- Mas, afinal de contas, Stevenson, o que fez o Sr. O'Rourke desistir de cruzar o Atlântico? Saudades de casa?

O comissário de bordo balançou negativamente a cabeça.

- Foi um sonho, senhor.

- E o que de tão terrível sonhou ele?

- Sabe aquele animal cujo nome muitos de nós evitam pronunciar a bordo? O que tem casco fendido e rabo enrolado?

Smith quase mordeu a língua para não soltar um palavrão.

- Então ele sonhou com um...

Stevenson balançou afirmativamente a cabeça.

- Um não, senhor. Era um chiqueiro completo!

- Um chiqueiro! - Repetiu incrédulo Smith.

E de testa franzida:

- Stevenson, anote para não esquecer: enquanto eu for capitão na White Star Line, esse sindicalista não navega mais conosco!

Bateu com a mão espalmada na mesa à sua frente.

- Pelo menos não aqui, no Titanic!

[16-02-2017]