LEVI ANANDA

Como um centro de percepção espiritual, o terceiro olho é responsável pela clarividência porque é a região cerebral onde o espírito está mais intensamente ligado ao corpo, conferindo ao visionário um estado extrafísico de consciência que lhe dá acesso a dimensões da existência imperceptíveis pelos sentidos físicos. Momentos antes de ser assassinado durante a apresentação de uma peça teatral, Abraham Lincoln relatou tanto para a esposa como para o guarda-costas que o acompanhavam que tivera recentemente um sonho premonitório anunciando que morreria em breve. A Bíblia também relata fenômenos paranormais envolvendo o profeta Daniel, um dos quatro profetas do Antigo Testamento. A percepção extrassensorial precede as coordenadas espaçotemporais que determinam um acontecimento futuro, bem como condiciona o processo de conscientização de um fato oculto ocorrido no passado. Isso não se confunde com a crença. Com certeza, o espaço e o tempo não constituem obstáculos intransponíveis para a visão espiritual. Essa é a realidade dos fatos. O Universo é infinito e infinitas são as possibilidades dos espíritos, uma vez que foram (e continuam sendo) criados à imagem e semelhança de Deus. Não os seres humanos, mas os espíritos que transitoriamente neles habitam e deles se servem para se aprimorarem na senda do amor e, por conseguinte, se aproximarem do ainda insondável mistério da vida.

Do outro lado do rio havia uma choupana onde morava Levi Ananda, um clarividente muito famoso naquele lugarejo fundado por um jesuíta, que o batizou com o nome bíblico de Monte Carmelo. Órfão de pai e mãe, desde cedo Levi Ananda aprendeu a ser forte. A mãe falecera quando ainda não havia completado o primeiro ano de vida, depois de um longo episódio de gripe, acometida de pneumonia, deixando o filho sob os cuidados do pai, que veio a morrer afogado durante uma pescaria no rio que margeava o lugarejo. Então com dezoito anos de idade, o rapaz teve de lutar pela própria sobrevivência, assumindo sozinho a responsabilidade pelos erros e acertos de suas decisões.

Paulo atravessou a ponte de madeira e fez um longo percurso entre as gramíneas e os arbustos que vicejavam no solo fértil até chegar ao seu destino. O clima daquela região era quente e havia uma grande diversidade de animais. Olhou por cima do muro e avistou um homem sentado numa cadeira de balanço rústica, à sombra de uma moscadeira frondosa, com várias ramadas dispostas ao longo do seu tronco principal. “Bom dia, procuro por Levi Ananda!”, disse-lhe preocupado com a ideia de não ser ele quem procurava. “Seja bem-vindo, eu já o aguardava há algum tempo!”, respondeu-lhe aquele homem, deixando-o surpreso com a intimidade da saudação. Foi recebido com um abraço que vinha do fundo do coração, como se fossem amigos de raízes. “De onde você me conhece?”, perguntou-lhe desconfiado. “Dos meus sonhos!”, respondeu-lhe o clarividente com alegria.

Levi Ananda passou a manhã inteira conversando com Paulo acerca das revelações que tivera nos seus sonhos. Na medida em que a conversa transcorria, Paulo ficava cada vez mais convencido a respeito das faculdades paranormais daquele homem enigmático, que descortinou detalhes da sua vida, do seu divórcio, das suas frustrações e até mesmo os segredos que guardava a sete chaves no seu âmago. Quando deu meio-dia, Levi Ananda interrompeu o discurso para convidar Paulo para o almoço. A educação deste e, principalmente, a sua fome não lhe permitiram recusar o convite. A comida fora preparada em fogão a lenha, e condimentada com noz-moscada, um tempero que Paulo nunca havia experimentado antes, nem nos melhores restaurantes da sua longínqua cidade. Além de clarividente, pelo que pôde perceber, aquele homem era também um cozinheiro de mão cheia. “Você precisa dar mais atenção à sua vida espiritual!”, recomendou-lhe Levi Ananda durante a refeição, reiniciando a exortação que havia interrompido. Ao final da conversa, Paulo estava plenamente convencido de que o seu amigo Daniel tinha razão quando lhe aconselhou a procurá-lo. Era o último recurso após frustradas sessões de psicoterapia, porquanto relutava em tocar na sua ferida emocional, que pungia e consumia a sua alma, tornando-a cativa das emoções negativas. A sua teimosia não passava de um mecanismo de fuga. Levi Ananda tinha as respostas para todas as suas dúvidas. Sabia de tudo a seu respeito. Nada escapava à sua clarividência. “Deus criou o deserto para que o homem dê valor à vida. O seu coração está areado porque você ainda não atentou para a natureza espiritual da vida!”, completou o clarividente, enquanto afagava a longa barba grisalha.

À noite, os dois foram até a beira do rio. Lá chegando, após uma curta caminhada ouvindo o farfalhar das folhagens, o clarividente pediu ao seu consulente que fitasse a água turva e lhe dissesse o que estava vendo. Paulo olhou fixamente para a água do rio por alguns minutos até que, de repente, pôde ver claramente o rosto da filha exibindo um olhar de saudade. Depois do seu divórcio, Paulo nunca dera atenção a ela. Deixou-a aos cuidados da mãe e retornou à vida de solteiro. Mudou de cidade e de automóvel, mas uma parte do seu coração ficou para trás. A saudade era a área desértica que havia no seu território interior, que lhe tirava o sono e a alegria de viver. Na época da separação conjugal, confundira a ex-mulher com a filha, como se fossem uma única pessoa. Talita, uma menina de oito anos de idade, era uma ponte que o ligava ao passado que tentava esquecer. A sua ausência era uma ausência paralisante, não encontrava entusiasmo para vislumbrar novos horizontes, nem para enfrentar novos desafios. A falta do seu cheiro não o deixava respirar fundo, e a falta do seu olhar embaçava a visão do futuro.

Em momento algum fizera qualquer confidência ao clarividente, tudo o que este lhe dissera fora fruto da aguçada sensitividade. Paulo era uma pessoa extremamente infeliz, embora não lhe faltasse dinheiro. A indústria cultural estimula o desejo de consumir os bens materiais, os artigos da moda, todavia descobriu que nem só de pão vive o homem. Não lhe faltava pão, faltava-lhe o prazer de comê-lo. A sociedade tem as suas regras, o coração tem as suas. O dinheiro tem o seu valor, o amor tem o seu. Andou confuso durante muito tempo, perdido em bordéis, entregue às relações promíscuas de alcova, acreditando que estava curtindo a vida. Naquele dia, porém, conseguiu olhar e ver o verdadeiro sentido da vida com o auxílio de Levi Ananda, que o levou a sentir a vida, em vez de apenas pensar nela, e distinguir, no seu círculo social, as pessoas que são gigantes das que são anãs, em termos afetivos.

O caminho da sua verdade não era o que estava trilhando, era o caminho de volta para o amor que tinha abandonado no passado, mas que, apesar da distância, nunca o havia largado, porque para o amor não existe tempo, ele é eterno, assim como não existe espaço, ele é onipresente. O amor é um princípio universal, está na origem de tudo o que existe. É um sentimento aglutinante, um elo perfeito entre as pessoas que logram os frutos imperecíveis de uma relação de afinidade espiritual.

No dia seguinte, ao raiar da manhã, Paulo despediu-se daquele humilde homem com a firme decisão de regressar à casa da sua pequena Talita, que há muito tempo não via. “A luz atrai. De onde vier, aceite-a. Como vier, receba-a. Não exija das pessoas atitudes que você não pode tomar sem ter de suportar uma carga de sofrimento, se exigidas de você. Em outras palavras, não sofra e não faça sofrer. Em tudo, seja mais atento ao sentimento, decida com o coração e planeje com a razão. Isto vai lhe poupar de muito sofrimento e de muita ilusão. Agora parta e seja feliz!”, finalizou Levi Ananda, despedindo-se do visitante com um forte abraço.

Foi assim que Paulo, um homem financeiramente bem-sucedido, superou o trauma da separação e reencontrou-se emocionalmente na vida, depois de um amargo período de desencontro.

Carlos Henrique Pereira Maia
Enviado por Carlos Henrique Pereira Maia em 06/02/2017
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