Conto das terças-feiras – A árvore solitária

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 21 novembro de 2017

Era uma vez, uma árvore solitária...

Não tinha companhia, nem mesmo de passarinhos a cantar em sua copa. As noites eram mais solitárias ainda, lá algumas vezes algum cachorro vira-lata aparecia para despejar seus imundos excrementos. — Mas que raiva! resmungava ela. Ninguém a ouvia, que tristeza! De dia o sol escaldante lhe queimava a fina casca que a revestia, coitadinha!

As crianças não gostavam dela, não se aproximavam por causa de sua copa magrinha, sem sombra, poucas folhas e nenhuma flor. Implantada em um chão de areia fina.

O tempo foi passando, suas folhas foram se renovando e, ao tombar no chão iam sendo armazenadas na areia, fertilizando aquele solo que guardava suas raízes, que o sol implacável do meio-dia as deixavam quase derretidas pela alta temperatura. O bom era que elas a sustentavam. As primeiras chuvas, embora poucas, iam favorecendo as condições para a formação de uma pequena camada de matéria orgânica no chão, ao seu redor, seguindo-se o processo conhecido como humificação, elaborado por bactérias e fungos que ali permaneciam latentes, esperando condições favoráveis para se manifestarem.

Dia a dia ela vigorava, seu tronco tomava corpo, suas folhas abundavam-se, seus galhos cresciam robustos, sua copa se estabelecia mais verdejante e sua sombra se projetava no solo ardente, ao meio dia, desenhando quase uma circunferência perfeita. Ela, envaidecida, balançava ao vento.

Chegado o período da sua floração a arvorezinha foi ficando mais bonita e cheirosa, atraindo, pela primeira vez, visitantes tão esperados, as abelhas, os passarinhos e outros animais, seus colaboradores no processo de polinização, fascinados pelos odores do néctar, a bebida dos deuses do Olimpo que, segundo a lenda, eternizava a vida.

Ela se agitava toda de contentamento, pois sabia que daria os primeiros frutos, as primeiras sementes. Sabia também da grande participação das suas lindas flores no processo de polinização e fecundação. Seu descontentamento advinha da modificação que seria processada em tão bela parte de seu ser. Cada flor cederia sua beleza para a formação dos pedúnculos e ovários, durante a formação dos frutos que guardariam em seu interior, as sementes, responsáveis pela perpetuação da família.

Em estado de tão bela aparência, começou a chamar a atenção das crianças, jovens e adultos que por ali passavam. A cor amarelo-vivo de suas flores e os passarinhos alegres e saltitantes, cantando em coro belas sinfonias, encantavam a todos.

Enquanto isso, ao seu redor, a areia ia adquirindo mais consistência orgânica, com uma fina camada de folhas e restos de flores, produtos descartados da planta solitária, fazendo surgir outras plantinhas originárias de sementes deixadas ali por pássaros e animais visitantes.

Agora, ela reina satisfeita naquele ambiente antes hostil e ausente de manifestações de carinho. Crianças apanham suas flores para ofertar às suas mães e rapazes apaixonados colhem as mais belas para presentear às suas amadas.

Aquele terreno infértil virou bela praça, com o verde do gramado contrastando com o amarelo de outros Ipês ali plantados, onde crianças brincam, jovens e adultos passeiam e namoram.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 21/11/2017
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