A Queda

A floresta se tornara repentinamente escura, a luz do sol ofuscada por uma espécie de névoa cinzenta. Pela época do ano, os carvalhos já haviam perdido toda a folhagem, tornando-se grandes troncos com finos galhos espetados, que a pouca luz, projetavam estranhas sombras no chão. O solo adquirira um tom marrom escurecido, coberto pelas folhas em decomposição.

A bela criatura desceu do céu enevoado e aterrissou graciosamente na terra umedecida. Cruzou os braços ao redor das pernas, apoiando a cabeça nos joelhos, olhando em frente. Por um momento seus inconfundíveis olhos azuis brilharam numa mistura de felicidade, desamparo e incerteza; então, abriu suas longas asas brancas, esticando-as de ponta à ponta fazendo um silêncio mortal cair sobre o lugar.

Chegara o momento. A criatura precisava decidir. Anjos não são dotados de livre arbítrio, não podem escolher como querem viver. Decidir tornar-se como um sujo ser humano significa ser amaldiçoado, caçado e odiado. Significa traição ao pai. Ser impuro e desmerecido. Significa pecado.

Apesar de tudo isso, o anjo já estava convencido. Passara mais de dois mil anos observando a humanidade. Invejando-a pela possibilidade do toque, das sensações, dos sabores e cheiros, do amor e dos outros sentimentos. Desejando a possibilidade de escolher.

Não passaria mais nem um minuto ali. Colocou-se de pé, com movimentos suaves e uma gorda lágrima rolou por sua face perfeita, caindo no solo. O anjo ergueu a cabeça e ignorou tudo, focando apenas no seu desejo, então, abandonou sua graça. Pela primeira vez, o pequeno anjo caído sentiu dor como um ser humano, mas aquela dor era mais forte do que qualquer um suportaria. Era como uma chama, que queimava cada célula de seu corpo. Levando o cósmico e trazendo o mortal.

O anjo, agora uma alma humana, se foi assim como chegou, repentinamente e sem aviso. Na floresta, um rastro de penas ensanguentadas jazia no solo, até serem arrastadas pelo vento. No lugar onde a lágrima caíra, cresceu um alto carvalho, mais verde que os outros, que nunca perdia suas folhas no outono ou se encobria de neve no inverno. O carvalho continuou ali por séculos, como a única marca da passagem do anjo.