Cidade das Estrelas

Depois de tanto tempo caminhando, eu já nem sei mais se posso confiar nos meus sentidos. Eu não como direito e nem descanso faz um bom tempo. Essa noite também parece que não termina. Acho que nunca atravessei uma floresta tão grande e tão densa. Desde que eu me embrenhei aqui não passei por nenhuma clareira, nenhum córrego ou lago. Tudo que eu vejo é breu. Essas copas enormes e densas não deixam passar luz nenhuma, nem das estrelas e nem da lua. Mas parece haver um foco de luz mais à frente. Chego ao que parece ser uma cidade, uma cidade simples e não muito grande. A floresta parece ter ficado pra trás, não vejo mais árvore nenhuma. A cidade é bonita, os prédios são baixos, com janelas e portas pequenas. As ruas não são muito largas e bastante sinuosas, iluminadas por alguns postes. A luz que emana deles é bastante amarela mas não é nada suficiente, é uma cidade bastante escura. Não vejo luz vindo de nenhuma casa, aliás, tudo está apagado. Pareceria até uma cidade abandonada caso não estivesse tão limpa e conservada, sem falar dos postes acesos. Já estou andando por essas ruas há um tempo, não sei se consigo retornar àquela floresta. Não acho que eu queira também. O silêncio ensurdecedor desse lugar é quebrado por uma flauta. Uma flauta solitária, aparentemente. Chego numa praça e me deparo com uma criaturinha tocando sozinha. Provavelmente ele percebeu que eu estava aqui assistindo a esse singelo espetáculo, mas continuou tocando tranquilamente de olhos fechados. Seus olhos eram bem grandes, aliás, assim como seu nariz. A música é tão calma que eu começo a lembrar que estou com sono. Ele interrompe a música e me cumprimenta. Acho que ele só parou porque eu bocejei. Surpreendentemente, nós nos entendemos. Ele se sentou num dos bancos ao redor do pedestal que havia no centro da praça. Eu trato logo de perguntar que cidade era essa. De acordo com ele, essa é a “Cidade das Estrelas”. Estranho, não vi nada que lembrasse uma estrela em lugar nenhum da cidade. Mas, pelo jeito, não procurei no lugar certo. A vista do céu era incrível. Ele não me olhou nos olhos em momento algum, ele sempre olhava pro céu desde que abriu os olhos ao parar de tocar. A quantidade de estrelas que cintilavam faziam jus ao nome da cidade. E compensavam a iluminação escassa também. O contraste era ótimo, aliás. A luz amarela e fraquinha dos postes e a luz branca, brilhante e forte das estrelas ficavam muito bem juntas. Mas eu quero mesmo é saber por que ele parece ser a única alma viva nessa cidade tão harmoniosamente desarrumada. Ele ri e não me responde. Que sujeito estranho. Como se não bastasse a aparência... A princípio eu não me incomodei, mas, reparando melhor, ele não parece ser igual a mim. Ele era rechonchudo, braços e pernas curtos, sua pele e suas roupas tinham o mesmo tom pálido e levemente amarelado. Parecia uma coisa só, ele parecia ter sido banhado numa cor só. Era, estranhamente, como uma mistura entre a cor da luz que emanava dos postes e a cor da luz que emanava das estrelas. Eu, inclusive, começo a achar que ele mesmo emana uma certa quantidade de luz, ainda que pouca. Ou eu só estou começando a alucinar por conta do cansaço. Aquele silêncio que eu ouvi ao passear pela cidade retornou. Uma situação deveras incômoda. Ele continua olhando pro céu e respirando fundo como se aquilo bastasse, como se estivesse completamente entretido. Eu não nego que o céu esteja lindo, mas essa cidade me prende muito mais a atenção. Esse pedestal vazio é, dentre muitas, uma das coisas que me faz querer recomeçar a saraivada de perguntas. Eu quero saber mais dessa cidadezinha que me cativou tanto. Eu quero entender pra, então, poder prestar atenção e apreciar o céu. Eu pergunto o motivo daquele pedestal estar vazio e, pra minha surpresa, ele responde. Ele diz que é ali que ele descansa durante o dia. Ele descansa num pedestal durante o dia e toca pra ninguém durante a noite. Acho que não dá pra ficar mais estranho. Meu cansaço é tanto que eu nem discuto, apenas aceito que ele não faz sentido nenhum. Ele levanta, encosta num poste e volta a tocar sua flauta. Eu deito naquele banco onde estávamos sentados e olho em direção a ele por uns instantes. Ele não tinha essa cor tão brilhante assim, se bem me lembro. Espero que não haja problema em adormecer nesse banco. Bom, se ele descansa num pedestal, não deve haver mal em dormir num banco. Estou prestes a adormecer. Eu só gostaria de saber quem é esse flautista tão esquisito. Eu pergunto seu nome enquanto vejo as estrelas e escuto sua música. Uma cena linda com uma trilha sonora tão bela quanto. Ele interrompe a música por poucos segundos e me diz seu nome. Ele diz que se chama Sol. Deve ser só uma feliz coincidência. E, falando em sol, um feixe de luz me acorda. Um feixe de luz solitário conseguiu passar por aquelas copas densas daquelas árvores enormes. Nenhum sinal da Cidade das Estrelas.

Pedro Paz
Enviado por Pedro Paz em 21/08/2017
Código do texto: T6090143
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