Cronica da Espada - Capítulo 3 - Batizado pela lâmina

Cronica da Espada

Capítulo 3 - Batizado pela lâmina

Era um fato que Tyr podia sair e entrar da torre, também era fato que isso levantava muitas dúvidas nos cidadãos mais simples de Thargur:

- Chegou cedo hoje. - Disse apático um dos guardas da torre cinzenta.

Tyr bufou e entrou esbarrando no guarda:

- Não gosto desse moleque entrando aqui com duas espadas. - Pestanejou um dos guardas quando o moleque tinha desaparecido nas costas deles.

- Já viu o que ele faz com essas espadas? - Perguntou Godric para seu amigo de profissão. - Ele treina o irmão que mora ai dentro.

Tyr não tinha acesso a torre inteira, entrava e ia direto no jardim que tinha aos fundos, sem subir um único andar, e nem queria. Andou em linha reta, ignorando totalmente o sumo sacerdote que lia um livro ornamentado em prata sentado em frente a uma lareira, foi até os jardins nos fundos onde seu irmão o esperava, sentado na grama:

- E ai fracote. - Fenrir era menor, mais magro e mais pálido que Tyr, os cabelos eram brancos embaraçados e tinha um olhar jovial, parecia ser três ou quatro anos mais jovens que o irmão gêmeo.

- Ei Tyr, trouxe minha espada? - Perguntou Fenrir abrindo um sorriso pro irmão.

Tyr franziu a cabeça ao ver por entre a camisa folgada do irmão sua marca de nascença, sabia que aquilo era o motivo de Fenrir não poder sair da torre e de ser melhor as pessoas acharem que ele está morto:

- Vamos praticar com a espada até você conseguir me derrotar. - Disse Tyr pro irmão, queria treina-lo como o anão o treinou, acreditava que o irmão era fraco e precisava de força pra se proteger sozinho.

- E o Bargar ta bem? - Perguntou Fenrir. - Morro de vontade de conhecer ele. - Disse sorrindo enquanto Tyr tirava as espadas das proteções de couro velho.

- Foi encontrar um amigo em outra cidade, deve estar de volta daqui uma semana. - Disse Tyr. - Tenho tempo pra conseguir meu emprego de volta no açougue...

Ficaram em silêncio um tempo até que Fenrir notou as feridas de Tyr:

- Ei, o que houve? - Perguntou.

- O bode do Ralf me atacou na rua, ele nunca foi com minha cara.

Fenrir se aproximou do irmão, estendeu as duas mãos na ferida e fechou os olhos, uma luz branca queimou a ferida por uns segundos e antes que Tyr pudesse dizer algo, estava curado, nenhuma cicatriz havia ficado:

- Fenrir! - Exclamou o irmão. - Quando você aprendeu a fazer isso?

Fenrir abriu um sorriso largo:

- O sumo sacerdote disse que tenho facilidade para aprender coisas desse tipo! - Fenrir segurou as mãos do irmão - Ele também disse que quando eu tiver aprendido tudo posso ir morar com você Tyr... Eu... Eu quero muito isso!

Tyr deu um sorriso de canto de boca:

- Vamos treinar magrelo! - Tyr jogou a espada menor para Fenrir e sacou sua espada, que não era adaptada, usava uma espada de adulto, e usava com uma mão só o que fazia o anão Bargar contente.

Treinaram com a espada até meio dia, quando normalmente paravam para comer algo e Fenrir tentava ensinar Tyr a ler:

- Nada mais justo, eu aprendo a usar a espada e você aprende a ler!

A tarde passou depressa e logo Tyr teve que ir embora:

- Amanha no mesmo horário! - Disse Tyr virando as costas para o irmão.

Na porta o sumo sacerdote parecia esperar o garoto, Tyr não gostava dele e ele sabia disso:

- Sabe que faço o melhor para seu irmão. - Disse para Tyr.

O sumo sacerdote era jovem, tinha cabelos curtos e usava um óculos de armação de metal, algo raríssimo por essas bandas, seu robe era branco com adornos amarelos e um símbolo divino:

- Só queria poder mostrar as coisas para meu irmão. - Disse Tyr.

- Para que ele fique ferido como você? - Retrucou o sumo sacerdote. - Seu irmão é diferente Tyr, ele traz coisas ruins quando sofre emoções fortes, preciso ensinar ele a se controlar.

- Ta ta ta. - Disse Tyr saindo da torre e se dirigindo até sua casa na costa.

Andou um pouco pela rua principal, depois pela rua Sapato do Cavalo até enfim chegar na casa do anão, que não estava.

Sabia que ia ficar um tempo sozinho, Bargar havia deixado uns peixes em conserva para o garoto, que passou o resto do dia limpando-os.

A tarde terminou tranquila e o clima estava agradável, vez ou outra alguém passava procurando o anão para algum serviço e Tyr dizia que o anão iria demorar pelo menos uma semana.

No começo da noite o garoto colocou um peixe para assar em um instrumento que o anão havia construído, era uma mini fornalha, coisa que provavelmente ninguém mais tinha em Thargur, Tyr adorava as coisas que o anão podia fazer e sentia que um dia conheceria a terra deles.

Foi tarde da noite, quando um pouco antes de deitar para dormir enquanto Tyr afiava sua espada que ouviu o primeiro estrondo.

Era como um trovão alto, Tyr nunca havia ouvido tal som e por mais que tivesse se assustado continuou afiando a espada.

O segundo estrondo aconteceu mais perto e junto deles gritos.

O garoto abriu a porta de casa a ponto de ver que a cidade estava em chamas, o fogo atingiu muitas casas e estava chegando na sua. Correu pra dentro colocou a espada na bainha e pendurou nas costas, pegou a mochila do anão e um pouco de peixe e correu em direção a rua Sapato do Cavalo afim de ver o que estava acontecendo.

No caminho viu muitas pessoas mortas, degoladas, as portas das casas arreganhadas e homens mascarados saqueando tudo que viam, correu para os becos que conhecia afim de alcançar a torre o mais rápido que pudesse, "preciso salvar Fenrir" era só o que o garoto tinha em mente.

Subiu o mais rápido que pôde, mas a mochila e a espada começaram a pesar demais, jogou a mochila no chão e continuou. Um dos mascarados apareceu na sua frente e partiu pra cima sem dizer uma palavra, tinha nas mãos uma adaga já ensaguentada.

As pernas do garoto estremeceram, pensou em virar as costas mas lembrou do que o anão Bargar disse uma vez:

- Nenhuma cicatriz nas costas Tyr, um guerreiro de verdade enfrenta o maior dos inimigos, medo é combustível pra uma boa vitória!

Tyr se virou contra o inimigo mascarado que partiu pra cima dele com tudo, a adaga prostrada pra frente, como o chifre de um bode.

Tyr deu uma cambalhota e mergulhou para trás do homem, se virou rapidamente a bateu com a espada em seu braço, a lâmina grande a afiada decepou o braço do homem que gritou de dor, o garoto deixou o homem sofrendo e foi em direção a rua principal.

Lá o número dos homens mascarados era abundante e antes de Tyr conseguir se aproximar o suficiente da torre um dos homens o pegou pelo pescoço e enfiou a adaga em seu peito, errando seu coração por três centímetros.

Sem ver o que tinha acontecido com seu irmão, com a torre e o sumo sacerdote Tyr foi vencido.

Foi com o calor do sol que o garoto recobrou a consciência, estava deitado de cara nas pedras da rua principal que estava tomada de sangue e corpos. Tentou se levantar e percebeu que estava ferido no peito:

- Quando tiver perdido muito sangue perderá o equilíbrio, tente fazer o menor esforço possível e de alguma maneira fechar a ferida. - Bargar havia ensinado de tudo para o garoto.

Tyr demorou mas conseguiu se levantar, foi bem devagar andando até a taverna do Ralf, todos estavam mortos, viu no caminho o corpo de Jeff, Bob, Alcir... Dentro da taverna o corpo de Ralf estirado em cima do balcão, quase tudo havia sido levado.

Tyr pegou uma das poucas bebidas que havia sobrado e jogou na ferida, o que fez o garoto urrar de dor, rasgou as roupas de Ralf que eram grandes e amarrou em torno do corpo.

Sabia que precisava deitar e comer algo para não morrer, mas precisava ver o que havia acontecido com seu irmão, se estava morto precisava se despedir.

Tyr andou até a torre e viu que em volta dela a concentração de cadáveres era absurda, tanto os guardas da torre e os homens mascarados estavam ali, sacerdotes e curandeiros, a população da cidade... Estava tudo acabado. Tyr entrou na torre e viu que lá dentro estava tudo destruído, algumas coisas ainda pegavam fogo, um fogo que estava morrendo aos poucos, subiu os andares e olhava corpo por corpo, mas nenhum sinal de seu irmão tampouco do sumo sacerdote. Foi lá dentro que Tyr ouviu alguém tossindo, um homem preso na parede que não estava completamente morto.

- Ei... Garoto... - Cuspia sangue pela boca enquanto falava, o homem estava preso na parede com a própria espada, que estava enfiada inteira no seu peito, talvez a espada tivesse prendido o pouco sangue que restava no corpo do guarda e por isso não estivesse morto ainda.

Tyr o reconheceu, era Godric, um dos guardas da torre:

- Godric... Você... - Tyr não conseguia falar.

- Tyr... Tenho comigo aqui o restinho de uma poção... Pegue e beba... - Dizia Godric com pouco tempo de vida sobrando, era claro pelo seu olhar.

O garoto ia contraria o guerreiro, mas respeitava-o e sabia que ele já havia pensando nas consequencias disso, pegou e bebeu o resto da poção, que serviu só para estancar seu sangue, ainda sentia uma dor aguda no peito:

- Meu irmão... O que aconteceu com ele? - Perguntou Tyr.

- Foi levado pelos homens Tyr... Gellantara foi atrás de seu irmão, ele se sente responsável pelo garoto...

- Gellantara? - Perguntou Tyr.

- É o nome do sumo sacerdote... - Godric cuspiu um a quantidade exagerada de sangue da boca. - Tyr quero que faça algo por mim... Tire a espada do meu peito...

Tyr ficou parado encarando Godric nos olhos:

- Obrigado... - Disse Tyr pegando no cabo da espada sem pensar.

- Tyr... Salve seu irmão. - Disse Godric sorrindo.

O garoto puxou a espada terminando de matar o homem, que enfim descansou em paz.

Estava sem pista alguma, não sabia por onde começar, a busca por seu irmão seria difícil. O garoto pegou uma das máscaras e guardou consigo, foi até o local que largou sua mochila para descobrir que estava vazia, pegou-a mesmo assim, guardou a máscara ali e se colocou a andar, sem rumo, pois nada havia sobrado de Thargur a não ser morte e destruição.

Sentia a dor aguda no peito, havia sido rasgado pela lâmina de um dos homens que raptaram seu irmão, usaria aquilo para se lembrar daquele dia, não descansaria até que seu irmão estivesse em paz e todos aqueles homens estivessem mortos.

Pedro Kakaz
Enviado por Pedro Kakaz em 20/06/2017
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