Cronica da Espada - Capítulo 2 - Nome dos deuses

Crônica da Espada

Nome dos deuses

O menino desceu a rua Sapato do Cavalo inteira arrastando a cabeça do bode, pressionava a ferida com força, todos na rua encaravam e cochichavam:

- Ele é o único plebeu que tem acesso a Torre Cinzenta. - Dizia Jeff ainda na taverna depois que o garoto saiu. - Já o vi saindo e entrando de lá, sempre com duas espadas, uma era essa que ele carregava e uma outra bem menor, adaptada pra idade dele.

Ralf se juntou a mesa novamente:

- Ele é o menino que tem o nome dos deuses. - Disse Ralf encarando os colegas. - Ouvi dizer que derrubou dois guardas da torre em um treinamento, uma aberração.

A taverna começava a esvaziar, a noite seria densa:

- Que assuntos tem na torre gostaria de saber, sou curioso sabe? - Jeff dizia o óbvio.

- O boato mais curioso que ouvi, o garoto nasceu no fatídico dia da nevasca e sobreviveu a noite fria ainda criança. - Ralf a cada término de frase bebia um gole mais fundo, estava ficando bêbado e falando demais. - Os olhos azuis gritantes, a pele branca e os cabelos escuros... Não é atoa que foi nomeado Tyr, ouvi Gaspar dizendo que o garoto está fadado a ter feitos incríveis.

Jeff bufou:

- De novo esse velho louco envolvido em coisas estranhas.

- O pior não é isso... - Continuou Ralf. - Alguém se lembra daquela bela garota que se apaixonou por um forasteiro, nunca me lembro o nome dela, tinha os olhos azuis iguais o do menino...

- Skadi? Não acredito que esse moleque boca suja é filho dela. - Jeff de debruçou sobre a mesa para ouvir mais, Ralf estava sem freio.

- Ela mesmo, dizem por ai que Skadi voltou grávida em segredo para Thargur, o rapaz pai das crianças sumiu sem deixar rastros, ninguém sabe se morreu ou fugiu... - Continuou Ralf se empolgando, a taverna estava praticamente vazia a essa altura.

- Crianças? - Jeff arregalou os olhos. - Mas todos sabem que gêmeos são uma maldição!

- Exatamente. Skadi teve dois filhos no dia da nevasca, Tyr sobreviveu a nevasca... Mas a segunda criança foi amaldiçoada pelo poder da tempestade que matou centenas de pobretões aquele dia. - Ralf finalizou o caneco de cerveja, sua filha mais nova logo encheu o copo novamente, de todos na mesa.

Alcir e Bob ouviam tudo atentamente:

- Skadi voltou grávida de gêmeos e uma das crianças morreu na nevasca... A outra é um arruaceiro que decapita bodes no meio da rua... Isso não faz sentido nenhum... E qual a relação com a Torre Cinzenta?

- Alguns dizem que o cadáver do moleque amaldiçoado está na torre sendo protegido pra nunca mais ocorrer outra nevasca... Outros dizem que o próprio Tyr tem a maldição em seu coração também... Afinal aqueles olhos não são normais... Olhos pretos passam segurança se você me perguntar, essas pessoas de olhos de luz... Primeiro Skadi, nunca foi normal... Agora esse moleque, sua força é fora do comum com certeza.

Jeff encarava a parede leste da taverna, como se enxergasse a Torre Cinzenta dali:

- Tyr... Que audácia colocar no filho um nome desses... E como se chamava a outra criança? - Perguntou Jeff a Ralf enquanto bebia mais um gole da cerveja.

- Fenrir... - Disse Ralf.

Jeff cuspiu a cerveja na cara do amigo tamanho o susto.

Tyr chutou a porta de uma cabana pequena nos limites da cidade de Thargur, próximo a praia onde os pescadores que tentavam ganhar a vida limpavam os peixes em panelas de madeira gigantes, jogou a cabeça do bode de lado, tirou a espada das costas com dificuldade encostando num comodo velho, se despiu, pegou panos velhos e um resto de hidromel que tinha numa garrafa, deu um gole demorado que o fez fazer careta e jogou o resto da bebida na ferida aberta do chifre, amarrou o pano na cintura bem forte, fez isso com mais três pedaços de pano e foi para o quarto:

- Onde você tava moleque? - Perguntou Bargar, um anão beberrão que cuidava de Tyr do jeito que dava.

Bargar havia sido expulso de sua família e ganhava a vida como mercenário até encontrar Tyr abandonado na rua enfrentando uma raposa com uma faca, adotou o moleque e o treinou o máximo que pôde, até cair em desgraça com a bebida. Tyr não era um filho para Bargar, mas algo como uma redenção estranha, treinar o garoto para não morrer de fome pareceu o certo a se fazer, hoje Tyr que cuidava do velho anão:

- Não enche meu saco seu merda. - Retrucou Tyr se atirando na cama, o quarto era feito de uma madeira velha e escurecida, iluminado apenas por uma vela.

Tyr aprendeu muito com o anão em pouco tempo, Bargar acostumado a treinar crianças de sua própria raça não pegou leve com Tyr, que mesmo sendo apenas um humano aguentou o tranco, Bargar sempre dizia "por mais que tenha optado por uma espada a um martelo de respeito, você tem talento.", isso fazia Tyr sorrir... Poucas as vezes que sorria na vida.

A vida em Thargur era miserável, quem não se submetia a trabalhar na mina ou ganhava um espaço no mar acabava sendo mercenário ou coisa pior... Um mendigo:

- Foi ver aquele magrelo de novo? - Perguntou Bargar virando de bruços.

Tyr levantou só para chutar o velho anão, que pestanejou algo em seu próprio idioma, Tyr respondeu com um Khuzdul rústico e mal pronunciado o que fez o anão rir.

- Não fala assim do meu irmão seu nanico... E sim, passei o dia lá... Depois fui atacado por uma cabra demoníaca...

Ambos riram alto e foram dormir:

- Fenrir... - Repetiu Jeff. - O lobo branco... O destruidor de deuses... Não pode ser verdade...

Ficaram em silêncio e terminaram a bebida, Jeff pagou, acordou os amigos e foram para casa, foi uma noite cheia de pesadelos para o homem das minas, o lobo branco não o deixou dormir aquela noite.

Pedro Kakaz
Enviado por Pedro Kakaz em 14/06/2017
Reeditado em 14/06/2017
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