A agenda
O vendedor levou-o até uma estante nos fundos da loja, repleta de volumes de capa dura, encadernados em espiral revestida de plástico colorido.
- Então não é uma simples agenda? - Inquiriu com ar de dúvida.
- Nós o chamamos de "planejador de vida" - disse o vendedor de forma pomposa.
Mão no queixo, virou-se para o vendedor.
- Olhando assim... continua parecendo uma agenda.
- É muito melhor! Uma agenda é algo que você pode transpor para o meio digital - e na maior parte dos casos, isso cria mais inconvenientes do que soluções. Por exemplo: quando você esquece a senha do arquivo, a bateria acaba ou o sistema está fora do ar.
Ele não se deu por convencido.
- Verdade... mas ainda assim não passa de uma sequência de dias numerados, com horários neles, e tarefas assinaladas.
O vendedor pegou um dos volumes. Na capa, a bela ilustração de uma cornucópia impressa em ocre contra um fundo amarelado, lembrando papel antigo. Abriu na página do dia 1º de janeiro.
- Veja aqui um exemplo. O dia 1º de janeiro é o dia de início daquelas resoluções de Ano Novo que todos nos esforçamos para cumprir, mas que realmente quase ninguém consegue levar além da segunda semana de janeiro.
- Sim. E daí?
O vendedor estendeu-lhe uma caneta esferográfica de tinta prateada.
- Escreva aqui, com sua letra, uma realização que gostaria de tomar no dia 1º de janeiro do próximo ano.
Ele lançou um olhar desconfiado para o vendedor.
- Se eu escrever, terei que comprar?
- Não! De forma alguma! Escreva e irá entender o porquê.
Ele apoiou o "planejador de vida" na lateral da estante e escreveu, às 8 h do dia 1º de janeiro: "quero economizar dinheiro para viajar à Paris". Mostrou o que escrevera ao vendedor.
- Assim?
- Quase lá! - Respondeu o outro de modo jovial. - Mas falta escrever em que mês a meta deverá estar concretizada, ou a execução se tornará vaga demais.
- Bom, então... 22 de outubro. Sempre quis ir à Paris no outono.
- Escreva isso! - Incentivou-o o vendedor em tom confiante.
Ele completou a frase: "viajar à paris em 22 de outubro", enquanto o vendedor olhava por sobre o seu ombro.
- Agora abra a página no dia 22 de outubro - disse o vendedor.
Ele assim o fez, e quando abriu o volume na página indicada...
Perdeu o fôlego, pois estava em Paris, no outono. Vestido de sobretudo e cachecol, na calçada de um boulevard, sob árvores cobertas de folhas em todos os tons possíveis de ouro e ferrugem. E, ao longe, a Torre Eiffel contra um céu avermelhado pelo entardecer. Entre suas mãos, o "planejador de vida". Com um suspiro, fechou-o.
Estava de volta ao depósito escuro da loja. O vendedor olhou-o, expressão triunfante.
- Percebeu a diferença agora?
- Sim... - respondeu, enquanto recobrava o fôlego. - Percebi.
Lançou um olhar sôfrego para a estante. Depois de uma análise cuidadosa das capas, pegou outro volume, onde havia uma reprodução em azul real de "O Nascimento de Vênus", de Botticelli.
- Vou levar este também! - Declarou.
- [27-04-2017]