QUEM MANDA AQUI?

— Ei, amigo!

— Quem está me chamando?

— Sou eu, aqui na mesa.

— Quem? Na mesa só tem um celular!

— Achou? Aqui, o teu melhor amigo.

— Como assim? Meu melhor amigo é o Pedrin... Ops! Telefone não fala, com quem estou falando?

— Como assim não falo? Estou sempre contigo.

— Não! Celular não fala.

— Na verdade, não sou tão teu amigo assim, estou mais para controle remoto.

— Mas o que você controla?

— Você!

— Eu?

— Sim, você mesmo, tenho minhas artimanhas, meus métodos para você ficar sempre comigo, massageando minha tela, fazendo que eu seja o centro de tuas atenções.

— Não pode ser, estou sonhando.

— Sonhando? Você nem dorme mais, fica a noite toda comigo.

— Mas...

— E, além disso, estive pensando que você poderia deixar minha bateria carregar completamente antes de me tirar da tomada, do contrário terei problemas com meu sistema e me perderá.

— Mas meu pai compra outro... Aff! Estou falando com um telefone celular?

— Na verdade, eu é que estou falando com você, e se você trocar de celular eu voltarei para seguir te controlando com meus joguinhos, sites, facebook, wathsapp, twitter e tudo mais que você baixar em mim.

Mas como assim? Você é tipo um espírito de celular?

— Não, você é que parece um espírito nessa casa. Lembra qual foi a última vez que jantou com seus pais na mesa da sala? Lembra quando foi jogar bola com seus amigos? E eu não estou falando de jogar online, é na rua mesmo, sujar a roupa, ralar o joelho, fazer novos amigos.

— Mas eu tenho muitos amigos.

— Você está falando desses que conhece só pelo monitor do computador? Eu estou falando em aperto de mão, abraço depois da vitória em campinhos com as goleiras feitas de chinelos no pátio de casa ou na calçada, Jogar bolinha de gude, taco, brincar de esconde-esconde... Ora! Coisas normais.

— Mas todos meus amigos jogam no celular, com quem eu vou jogar na rua?

— Pergunte a seu pai o que ele fazia na sua idade, com certeza tinha mais emoção, convide ele para passear, pescar, lhe mostrar lugares onde ele passou a infância.

— Mas ele está sempre ocupado, não tem tempo.

— Você já tentou convidá-lo?

— Não, mas eu já sei que a resposta sempre é não.

— Vou te ajudar então. Use-me agora para o que eu fui inventado e ligue para ele.

— Não vou não, eu já sei a resposta.

— Liga agora, deixa de ser uma criancinha mimada, se fosse para pedir algo, você já teria ligado com voz de doente e a cara do gato de botas do Shrek .

— Está bem, eu ligo.

— É isso aí! Mas me pega com carinho.

— Alô! Pai? Eu, eu... Eu quero te convidar para irmos ao estádio no sábado. O tricolor joga contra o flamengo e vai ser um jogão. Vai começar às onze da manhã, e a tarde podemos ir à praça bater uma bolinha... Mas tudo bem se não puder, eu sei que és muito ocupado e...

— Está certo filho, vamos sim. Faz tempo que quero sair contigo, mas quando te convido você parece que não escuta, fica colado nesse celular. Sairei mais cedo hoje eu vou à bilheteria do estádio para comprar nossos ingressos para o jogo. Depois vou te levar num campinho onde eu brincava e jogava bola com meus amigos quando tinha a sua idade.

— Legal pai, te amo.

— Também te amo filho, nos falamos em casa. Beijo.

— Tchau, pai.

— Muito bem! Não doeu nada, não é? Agora posso voltar a ser apenas um telefone. Eu fiz minha parte, faça a sua também. Não há problema de me usar, mas tente se conectar um pouco mais com a realidade, preste mais atenção nas coisas lindas que existem lá fora.

— É eu sei, e obrigado por me ajudar... Você seguirá falando comigo? Ei celular... Celular... Celulaaaaaarrrrrr! Mas o que eu estava fazendo? Falando com um telefone celular? Acho que estava sonhando mesmo. Mas enfim, vou deixar minha camiseta e a bandeira pronta para o jogo, e jogar um pouquinho no meu celular.

— EI MENINOOOOOO!

— Brincadeirinha! Hehehehe