[A Serena República]

A República caminhava serena, sereníssima, pela pradaria florida: sua beleza é tamanha que quem a olhasse juraria que, por um pequenino instante, o tempo pararia e restaria apenas o que há de bom no mundo. Ela olhava para tudo um tanto perdida, como se descobrisse naquele momento onde estava. Chorava. Por que chorava? Não sabemos: contentemo-nos com o fato de que as lágrimas saltavam de seus olhos, maculavam sua bela face e banhavam a terra, fecundando-a. Mas eis que um homem, que caminhava tranquilo, descobriu-a e, apiedado e cheio de desejo, decidiu acudi-la. “Por que chora?”, perguntava ele, tentando abraçá-la, ainda que não tivesse tido permissão para tal. Ela ficou assustada, mas decidiu responder. “Choro porque a beleza da vida é digna de lágrimas, não de risos.”, respondeu ela, tentando manter sua anterior tranquilidade. Mas o homem, no entanto, não engoliu a resposta e fez de tudo para alegrá-la: fez diversos elogios à sua beleza; fez versos muito bonitinhos, mas completamente vazios de significados concretos; deu-lhe flores, as mais belas daquele campo. Ela, por sua vez, foi ficando cada vez mais alegre até que se chegou ao momento em que nada se via nela a não ser um doce sorriso. Quando o homem descobriu que ela era dona do castelo que havia ali por perto, decidiu fazer uma proposta ousada: moraria com ela, já que a República era muito solitária. Ela aquiesceu sem questionar. Casaram-se naquele mesmo dia e viveram um casamento muito feliz. A esposa era muito rica e o marido sabia disto: gostava de gozar daquela grande luxúria. Contudo, quando percebeu que ela o amava incondicionalmente, veio o truque de mestre: ele lhe roubou tudo o que podia, aos poucos e aos montes, e, quando percebeu que já tinha pilhado o suficiente, a abandonou sem pensar duas vezes.

A República caminhava serena, sereníssima, pela pradaria florida: sua raiva era tamanha que fazia juras de ódio e vingança contra todas as pessoas, mas especialmente contra si mesma. Ela olhava para tudo um tanto perdida, como se descobrisse naquele momento onde estava. Chorava. Por que chorava? Não sabemos: contentemo-nos com o fato de que as lágrimas saltavam de seus olhos, maculavam sua bela face e banhavam a terra, fecundando-a. Mas eis que um homem, que caminhava tranquilo, descobriu-a e, apiedado e cheio de desejo, decidiu acudi-la. “Por que chora?”, perguntava ele, tentando abraçá-la, ainda que não tivesse tido permissão para tal. Ela ficou assustada, mas decidiu responder. “Choro porque a maldade dos homens é grande, mas não é maior que a minha estupidez.”, respondeu ela, tentando manter sua anterior tranquilidade. Mas o homem, no entanto, não engoliu a resposta e fez de tudo para alegrá-la: disse-lhe que não era para ficar daquele jeito e que havia homens que mereceriam a confiança dela; tirou, daquele lindo jardim, as mais belas flores que encontrou e deu de presente a ela, que aceitou de bom grado; cantou-lhe a mais bela música que há. A República, que estava tão furiosa e triste no começo, foi ficando cada vez mais alegre até que se chegou ao momento em que nada se via nela a não ser um doce sorriso. Quando o homem descobriu que ela era dona do castelo que havia ali por perto, decidiu fazer uma proposta ousada: moraria com ela, já que a República era muito solitária. Ela aquiesceu sem questionar. Casaram-se naquele mesmo dia e viveram um casamento muito conturbado. O marido não sabia como agradar a cônjuge: pequenas atitudes, como trapos molhados na cama, a sujeira que não era limpa por nenhum dos dois, a diversão de um que era aborrecimento para o outro, viravam motivos de muitas brigas. Não bastasse isto, os corvos, malditos corvos!, se aproveitavam de tais desentendimentos e roubavam o que ainda restava da bela República. Quando a situação se tornou insustentável, o homem foi expulso de lá, sem qualquer cerimônia, e ela voltou à sua solidão habitual.

A República caminhava serena, sereníssima, pela pradaria florida: sua tristeza era tamanha que ela já não mais conseguia admirar as flores ou insultar a maldade dos homens e a sua própria ignorância. Ela olhava para tudo um tanto perdida, como se descobrisse naquele momento onde estava. Chorava. Por que chorava? Não sabemos: contentemo-nos com o fato de que as lágrimas saltavam de seus olhos, maculavam sua bela face e banhavam a terra, fecundando-a. Mas eis que um homem, que caminhava tranquilo, descobriu-a e, apiedado e cheio de desejo, decidiu acudi-la. “Por que chora?”, perguntava ele, tentando abraçá-la, ainda que não tivesse tido permissão para tal. Ela ficou assustada, mas decidiu responder. “Choro porque o amor não existe: o que há são apenas interesses frívolos e a inocência de quem não consegue entender o mal do mundo.”, respondeu ela, tentando manter sua anterior tranquilidade. Mas o homem, no entanto, não engoliu a resposta e fez de tudo para alegrá-la: falou que ninguém era bom e que todos, menos ele, eram interesseiros e egoístas e que iriam, inevitavelmente, entristecê-la; que ele era o único capaz de deixá-la feliz; que ele era o único capaz de defendê-la dos malditos homens e dos malditos corvos; chegou até a pegar algumas flores, mas a República se precipitou e disse: “leve-me para casa!”. Ele, que sabia onde ela morava, aquiesceu sem questionar. Casaram-se naquele mesmo dia e viveram um casamento muito pacífico. Mas tudo isto mudou quando o marido começou a querer controlá-la: ela não podia mais sair sem a permissão dele; não podia conversar com outras pessoas senão na presença dele; e tinha que fazer o que ele mandasse. Ela, amantíssima, não questionou isto no começo, mas quando os aborrecimentos se acumularam, a revolta não poderia ser mais contida. Quando ele exigiu que fizessem sexo, ela, que estava muito cansada, recusou. O marido, então, pegou-a pelos braços e a estuprou. Quando isto acabou, ele decidiu mandar um pequenino aviso: “Lembre-se de que sou eu quem te protege dos homens maus!”. Ela, com os olhos perdidos no vazio, fria como a noite de inverno, nada respondeu: estava, mais uma vez, serena.

Marcos Paulo Barbosa da Silva
Enviado por Marcos Paulo Barbosa da Silva em 24/02/2017
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