A ponte de Vahar - I

O terminal rodoviário estava quase estava vazio naquela noite.

Walter correu os pequeninos olhos de porco por toda extensão do

local: três guichês e só um ocupado.

O vidro que os separava do atendente era coberto por adesivos variados: os melhores restaurantes daquela cidade, pousadas, um shopping, empresas de transporte... Só o que William (o maior dos três) chamava de quinquilharia comercial humana. A esquerda havia um conjunto de bancos de pedra nada confortáveis. Aos fundos uma lanchonete e uma banca de revistas e jornais, ambas fechadas. Nuvens de insetos voavam sob as luzes florescentes penduradas.

A luminosidade rala destas e o silêncio davam ao lugar um ar fantasmagórico.

Weber pagou os bilhetes e aguardou enquanto o homem do outro lado registrava a compra. Entregou-lhe os cupons e ele distribuiu entre os dois irmãos. Algumas poucas pessoas circulavam aguardando a partida.

O atendente passou a observá-los com certa curiosidade disfarçada. Não era de admirar. Afastaram-se dele sem dar muita importância, estavam acostumados a ver aquela expressão nas pessoas: eram trigêmeos. Se bem que William diferenciava-se por ser um pouco mais alto.

Sentaram-se num banco espremendo-se um pouco para caberem. Carregavam mochilas para viagens curtas e as puseram no colo. Lembravam mochilas para as costas comuns em estudantes, mas agora tinham aspecto desgastado.

Weber remexia a sua cuidadosamente enquanto Walter conferia seu bilhete:

N° 5.829

Saída: ANDARES

Destino: CONCEIÇÃO DO COITÉ

Valor: 5,25

Horário: 20:30

Terminal: 03

Conferiu seu relógio. Por alguns instantes o ponteiro dos segundos estava parado. Balançou-o e o movimento recomeçou. Faltavam ainda quarenta minutos até o próximo ônibus para aquela cidadezinha qualquer chegar. Isso se o relógio não estivesse quebrado. Durante a travessia aparelhos elétricos como relógios digitais, rádios comunicadores ou aparelhos para localização costumavam sofrer danos irreparáveis. Em relógios de ponteiros não deveria ocorrer isso assim como as bússolas. As coisas estavam fugindo do controle. Bufou impaciente e voltou-se aos irmãos:

- Quanto tiempo brothers?

- É tempo. Fale tempo e irmãos, seu idiota – rosnou William olhando sempre para frente – ajuste seu idioma. Pode gerar suspeita. Essas pessoas podem ser pouco racionais, mas muito intuitivos. Faltam quarenta minutos. – suspirou - Trinta e nove agora.

Walter continuou, ignorando as advertências do irmão maior:

- Temi que essa porcaria – apontou para o pulso – estivesse quebrada. Inmundicia...

- são resistentes a mudanças bruscas – disse por fim Weber que deixara de mexer na bolsa – alguns param por alguns segundos, mas com qualquer estímulo – bateu levemente no próprio pulso com o indicador para demonstrar - logo voltam a funcionar. E... Estamos dentro do tempo permitido. O globo ainda dorme. Ajuste o idioma Walter. Agora.

O tom firme o fez obedecer sem pestanejar. A calma de Weber era curta, sabiam disso, e quando essa chegava ao fim... Apalpou algo trás da orelha, pressionou levemente e seu rosto estremeceu levemente. William soltou um riso debochado.

- Obrigado Walter.

O silêncio reinou por longos minutos que se arrastavam como horas.

Por fim, a esquerda deles um veículo cinzento despontou, dirigindo-se calmamente até a vaga. Os faróis lançavam uma luz fraca que William conhecia bem, era um comando do próprio veículo a que chamavam farol baixo. Servia para não ofuscar a visão dos que estavam à frente.

Seguiram até lá. Passaram numa catraca. No pára-brisa do veículo uma placa luminosa anunciava CONCEIÇÃO DO COITÉ - ANDARES. Os três homens esperaram calmamente um casal que descia: era uma bela mulher num vestido florido até os joelhos levando uma bolsa nos ombros, o sujeito – possivelmente marido dela - poderia facilmente emperrar-se na porta, mas passou facilmente. O pequeno fluxo de passageiros que aguardavam subiu. Os trigêmeos subiram em seguida e sentaram-se em diferentes posições como era ordenado: Weber mais a frente e William e Walter a quatro bancos de distância em lados opostos, logo atrás.

Houve uma troca de motoristas demorada demais aos olhos dos três, enquanto isso os passageiros foram pacientemente acomodando-se. O sujeito que ali chamavam cobrador entrou e um por um foi conferindo as passagens, punha em todos um rabisco qualquer. Uma autenticação. Dizia Weber a si mesmo.

Recostou a cabeça segurando a bolsa em sua frente. Sentiu o globo vibrar dentro dela. Sorriu. Chegava o momento.

Continua...

Wenderson M
Enviado por Wenderson M em 23/02/2017
Reeditado em 30/06/2017
Código do texto: T5921417
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