Chamas da Vingança

Anos haviam se passado e não éramos capazes de responder a uma simples pergunta... Lilith estava morta? A Rainha de todos os Vampiros havia sucumbido ante nossos inimigos? A Grande Guerra havia chegado ao fim? Séculos de atrocidades, mortes indiscriminadas e perseguições seriam algo do passado? Não sei e como podem notar tenho mais perguntas do que respostas...

A história do Brasil, esse lindo país, sempre esteve entrelaçada com a história da minha família e por anos mantivemos estreitas relações com todos aqueles que governaram esse território. De maneira muito sutil enriquecemos e, sem que soubessem, um antigo clã vampiro ditava as regras e manipulava toda a nação para atender seus interesses. Poucos dentre os mortais sabiam da real identidade da família, mas infelizmente um desses poucos foi o responsável pela nossa queda, traindo toda a raça dos vampiros. Quando os inimigos de meu povo souberam o que se passava nessas terras, foram cruéis e sem piedade alguma trouxeram a guerra para esse lindo país.

Anos de confrontos nas sombras quase exterminaram minha família e as notícias que chegavam de outros rincões do planeta, alertavam que o fim estava próximo. Sem a liderança de Lilith não fomos capazes de nos defender.

Era uma noite fria, muito mais fria do que o esperado para a noite paulistana. Durante todo o dia, a famosa garoa se fez presente, mas agora era possível ver algumas poucas estrelas no céu. Tivemos que abandonar nossas magnificas residências na vã tentativa de sobreviver ao expurgo e muitos de nós, agora viviam escondidos nas escuras linhas de metrô e nos mais profundos esgotos. O que antes era nobreza se resumia a isso, uma vida semelhante aos ratos. Mas a vingança chegaria em breve. Prometi ao meu patriarca que vingaria cada morte, cada sofrimento, e minha jornada começava hoje.

Por muitos anos treinei, mas o ódio acabou sendo meu melhor mestre e hoje sabia que estava pronto. Em meu íntimo sentia que a guerra estava completamente perdida, tinha plena consciência de que nossos oponentes eram muito mais organizados, determinados e numerosos do que nós, mas isso não impediria de tentar, e, se fôssemos cair, não cairíamos sozinhos.

Planejamos tudo com muito cuidado. Meu avô queria liderar o ataque, mas após muito conversar eu consegui convencê-lo que a melhor maneira de abalar o poder de nossos inimigos era através de uma ação temerária, imprudente e silenciosa. Iríamos invadir o palácio e assassinar o Supremo Chanceler, o implacável comandante dos Kashins, os maiores inimigos que os Vampiros haviam enfrentado em sua longa história. Os Kashin haviam chegado à Terra, vindos de seu planeta natal, há tanto tempo quanto nós e sem escrúpulos, lideravam uma cruzada para expurgar todo o mal existente nesse mundo.

Os questionamentos sobre a decisão de meu avô foram inumeráveis. Muitos consideravam a missão como sendo suicida, enquanto outros diziam que algo assim era um desperdício de recursos, que já estavam escassos há anos, mas nada foi capaz de dissuadir Guilherme de seu intento. Meu nome foi o primeiro da pequena lista de vampiros capazes para tal ação e prontamente concordei que uma atitude imprevisível possui mais chances de dar certo do que uma ação orquestrada e prevista.

Duas horas da manhã... Não havia sinal de vida na estação Vila Madalena do metrô. Deixei a proteção da escuridão e muito sorrateiramente caminhei até a residência de um dos lacaios de meu avô Guilherme. Mesmo com o fanatismo do expurgo, muitos humanos ainda se arriscavam em nos proteger, na vã esperança de um dia serem transformados em vampiros como nós. Um deles morava na Rua Heitor Penteado e em sua garagem me aguardava uma novíssima Kawasaki Ninja e uma mochila, com todas as armas que precisava.

- Esses servos serão recompensados por tudo isso... – pensei – Mas não sujaremos nossa linhagem imaculada com esse sangue impuro...

Abri um envelope que havia na mochila e lá estava o endereço de meu alvo. Conhecia aquela região como a palma de minha mão, então deixaria a moto um pouco afastada do palácio para que nenhum ruído denunciasse minha presença. Felizmente, nas proximidades do Parque Villa Lobos haviam dezenas de lugares para escondê-la e por sorte, conhecia cada um deles. Segui velozmente pelas ruas Heitor Penteado e Cerro Corá, desviando dos poucos carros presentes e avançando todos os sinais fechados até chegar à Pio XI. Como sempre, naquela esquina, a padaria estava repleta de humanos e precisei controlar minha fome para não entrar no local e escolher uma vítima, dentre as dezenas de possibilidades que lá existiam.

Após descer toda a Rua Pio XI, fui guiando lentamente até o local onde deixaria minha moto e quando lá cheguei, a escondi e abri a mochila para pegar minhas armas e meu equipamento. Meu avô gostaria que levasse um pequeno arsenal, com metralhadoras, pistolas e muita munição, mas escolhi algo mais sutil e silencioso. Minha espada, adagas, cordas e uma pequena besta. Quanto menos ruído eu fizesse, maiores eram as chances de obter sucesso naquela empreitada.

Confiava plenamente em meu treinamento, mas a cada passo naquelas ruas escuras eu sentia medo, um medo real de falhar ou de ser capturado por meus inimigos, mesmo possuindo todas as informações de nossos espiões, sabia que corria sérios riscos de perder a vida naquela missão.

Após caminhar por quase dez minutos, sem ouvir ou sentir a presença de ninguém, me deparei com os altos muros do palácio. Atacar o portão seria imprudente, então optei por uma abordagem clássica, escalar o paredão com ajuda da besta e da corda que havia levado comigo. O silêncio era vital e as trevas da noite seria minha melhor aliada. Possuía uma visão muito apurada, mesmo na escuridão, e graças a isso lancei o virote precisamente e consegui escalar a parede sem dificuldades. Quando cheguei ao topo, observei demoradamente cada detalhe do jardim, da residência e tudo que pudesse oferecer algum auxilio em minha missão. Custei a acreditar que os lacaios estavam certos e que a proteção havia relaxado muito com o passar das semanas. Os Kashins estavam crentes que haviam vencido a Guerra.

Havia poucos guardas patrulhando o jardim, podia facilmente dar cabo de todos eles, mas quantos mais existiam dentro do palácio? Quantos estariam protegendo o Supremo Chanceler? E se minha vítima acordasse antes que minha lâmina atingisse seu pescoço? Percebi novamente que possuía mais perguntas do que respostas, mas não poderia fraquejar, não tão perto de meu alvo. Não poderia desistir... Morreria tentando...

Saltei em meio às árvores e permaneci alguns instantes lá, esperando e ouvindo tudo ao meu redor. A primeira patrulha estava cada vez mais próxima e aqueles dois logo morreriam pelas minhas mãos. Eles se aproximaram e antes que pudessem notar qualquer movimentação, havia cortado o pescoço dos dois com uma pequena adaga. Por alguns instantes eles se debateram, mas minha força era mais que suficiente para contê-los. Todo aquele sangue vertendo em minhas mãos... Não fui capaz de resistir, pois após semanas de alimentação parca, havia um baquete em minhas mãos e não deixaria passar. Aquela injeção de sangue fresco e quente apurou ainda mais meus sentidos e um a um os inimigos foram tombando.

Não posso negar que a cada sucesso minha confiança aumentava, mas meu Mestre sempre afirmou que esse sentimento é o mais traiçoeiro, pois nos deixa vulneráveis e de guarda baixa. Parei por alguns instantes e mantive minha mente focada no que realmente havia proposto fazer, matar o Chanceler e vingar meu povo. Adentrei por uma janela entreaberta e rapidamente subi o primeiro lance de escadas que encontrei. O corredor era longo e no final havia dois guardas protegendo a entrada de um quarto. Duas adagas voaram de minhas mãos e os dois sentinelas caíram mortos no chão. Passo a passo cheguei ate o meu objetivo. Abri a porta e notei uma luz acessa, onde talvez pudesse ser o banheiro. O Chanceler estava acordado. Aguardei nas sombras e quando ele deixou o banheiro revelei minha presença.

- O que faz aqui? Como entrou? – questionou em pânico.

Olhei demoradamente e vi que ele era apenas uma criança. Não devia ter mais que vinte anos. Como alguém tão novo seria responsável por tamanha dor e sofrimento?

- Eu vim em nome de meu povo... Sou o portador da vingança e hoje a balança penderá para nosso lado...

- Não pode ser! Vocês foram derrotados, nós vencemos a última batalha... – disse com os olhos marejados pelas lágrimas – Pensei que haviam sido exterminados!

- Existe muita coisa que o senhor não sabe, Supremo Chanceler...

O jovem Chanceler retirou sua camisa e disse de peito e braços abertos.

- Morrerei honradamente, como um Chanceler do Império Kashin!

Uma vez mais, olhei para ele, permaneci em silêncio por alguns instantes e comecei a rir.

- Existem punições piores do que a morte... E agora sei que posso fazer algo mais terrível do que matá-lo! Vou transformá-lo em um de nós! Passará o resto de seus dias sendo aquilo que combateu com tanto afinco durante anos!

O medo no rosto do garoto se transformou em terror. Não havia nada que pudesse fazer e ele sabia disso. Tentou em vão lutar, mas sem suas armas era apenas um jovem indefeso, completamente impotente diante de um caçador como eu.

E assim, um novo capítulo dessa sangrenta história estava sendo escrito. Os papéis estavam se invertendo, o caçador havia se tornado a caça e a caça agora era o caçador.

O destino é implacável...

Vinicius Dian
Enviado por Vinicius Dian em 22/02/2017
Código do texto: T5920452
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