GUERRAS NO INFERNO ( FINAL ) N° 09

Aflição. Um aperto no coração gerado por algo que não conseguimos explicar fisicamente e que nos acompanha no nosso dia a dia como um prego a latejar e nos lembrar de que algo está errado ou incompleto. Eu prefiro acreditar que essa será minha última viagem no astral acompanhado do samurai e da bruxa que se auto intitula Ana. Antes dos procedimentos para projetar-me no astral e quem sabe enfrentar meu mais novo velho inimigo que ocupou meu lugar em uma hierarquia que não me interessa mais. Preparação física: Treinamento diferenciado de resistência em alguns músculos (yoga), dieta alimentar para depurar o sangue, trabalhar com a espada em movimentos de memorização. Mental: preparar a mente com a resolução de Koans e direcionar o fluxo de atenção para dentro e fora do corpo. Espiritual: ver, ouvir e sentir as energias da natureza através da meditação Zen. Ainda com medo e aflição agarradas ao meu duplo etérico me encaminho para o templo Kinkaku-ji. Não estou com paciência nem humor para predileções. Já me despedi dos amigos que talvez não veja mais e que colocarei em outros contos em breve. Acendo meus olhos com tanta fúria que a base de minha coluna chega a queimar. Cheguei ao templo e me dirijo ao local do portal. Já estão me esperando o samurai e a bruxa.

- Você está bem Ryujin?

Ana me pergunta, mas ao olhar em meus olhos percebe e sente que não está nada bem.

- Está pronto Dampyr?

O samurai já está me vendo como estou. Prefiro assim. Hoje lutarei como um kadatiano e não como um samurai. Entro no portal com um salto mortal invocando todo o meu corpo das sombras. Meu duplo se distorce e perco as feições humanas e um pouco da minha consciência. Como já esperávamos do outro lado nos aguardava um exército de combatentes e algumas criaturas deformadas, serviçais dos senhores das sombras. Izaque com certeza está por aqui. O samurai com sua O-yoroi completa, postado longe de mim, em sua postura de luta perfeita sem aberturas em sua defesa. A bruxa levitou para o alto pairando a cima das nossas cabeças invocando toda sorte de coisas astrais. Presas a mostra, olhos acesos e espada em punho. Ataco. A sociedade Kadatiana da mão esquerda cultiva para os seus membros a projeção astral com intuitos de favorecimento pessoal e em detrimento da comunidade. Treinando seus membros e tornando-os especialistas nas artes da guerra para as hostes infernais, como cães treinados para o beneficio deste ou daquele Djin demônio em suas guerras em busca de poder nos mundos infernos, e hoje esse espelho que reflete o Japão irá conhecer um mago das trevas imbuído de apenas uma intenção: matar tudo ou morrer tentando. Tenho energia suficiente para minhas transformações do duplo etérico, graças ao vinho com alguma droga dentro que o cipriota me deu. Amo você, meu amigo, te dedico esse conto como último alento de nossas almas.

Com os meus poderes negros restituídos estou livre de culpa, de sentimentos que turvem minha mente. Minha espada da cor de meus olhos corta com tanta sede que parece ter vida própria. Escória, lixo. Prana, a energia que circula dentro desses cascos chamados de receptáculos é isso que minha querida espada quer. Quanto mais ela tem, mais perco a consciência. Onze anos de treinamento com espada me fazem um espadachim exímio não tendo inimigo páreo nas primeiras fileiras, mesmo por que nenhum desses samurais enfrentou uma aberração que tem o poder de desaparecer aumentando o campo vibracional e levitando usando de artifícios que no mundo deles não pode ser real.

Uma longa gargalhada congela toda a tropa fazendo que eu pare por alguns segundos, me trazendo um faiscar de consciência. Alguém que possa valer a pena. A batalha chama a atenção de outras criaturas que brincam com os sonhos e fazem os humanos terem pesadelos. Seres que conheço bem e que atendem pelo nome de sentinelas.

- Ora, ora, se não é o meu antigo fantoche.

Não tenho tempo a perder com apresentações. Sinto a energia ficando cada vez mais densa. Pelos deuses, minha última batalha será uma obra de arte. Invoco a raposa voadora saltando pelos primeiros oponentes e cravando minhas presas em uma das sentinelas me transformando novamente em humanoide. Minha ferocidade está no auge. Urro com todo o meu ser. Um urro tão assustador que emite ondas de vibrações. Os últimos guerreiros afastam-se esquecendo de sua retaguarda e são retalhados pelo samurai que eficiente usa apenas um golpe certeiro nas partes vitais. A batalha chega ao fim e apurando meus ouvidos consigo escutar uma velha canção, familiar para mim:

- Venham criaturas e viajantes venham! Olhem que lindo o filho das estrelas. Ele se rebela contra o infinito. Ele monta o poderoso dragão e impunha sua temida espada. Avante, Avante kadatianos.

Uma canção de guerra saída nada mais nada menos que da boca do próprio demônio. Seguido do som de palmas e uma horrenda congratulação de ninfas do inferno.

- Olá meus caros, boa noite! É tão lindo ver você matar meu pequeno K. Chego a ficar excitado com tanto prana.

O samurai ergue a espada e com um golpe de vista peço que baixe a guarda. A bruxa fugiu, mais esperta do que nós dois.

- Baixe a espada samurai, você é apenas uma lembrança, uma peça de um quebra cabeça que posso arrancar quando quiser. Onde está aquela menina má para quem jurei o meu amor? Gosto quando me respeitam. Está vendo K. como é gostoso ser quem você é? Eu quero lhe propor um trato. Vendo seu empenho em contar nossos segredos passados a você sob juramento e espalha-los como se fosse historias para crianças dormir. Acredito que posso usá-lo mesmo sem consorte. Como é mesmo o ditado: “ está no inferno abrace o capeta”. Kkkk

- Deixo você passar em segurança desde que faça um acordo comigo.

Meu veículo astral está transbordando de energia. Não era pra ser assim. Minha fúria por essa criatura está no limite.

- Quais são os termos?

- Quais são os termos ... ? Como é mesmo o tratamento devido?

- Quais são os termos Mestre?

- Vocês precisam ser adestrados. Humanos hipócritas, que fedem a ferrugem. Basta lhes dar um pouco de poder aí você descobre quem realmente são. Bando de mendigos. Corvos a sobra da divindade. Os termos são o seguinte:

- Eu ajudo você não me metendo mais, no entanto, você terá que fazer sete visita a pessoas no plano físico. Quando digo que não me meterei, digo que não vou ajudar você com o Izaque, que está no seu lugar como meu general. Você terá que se virar com ele e com os poderes deles e de todos que o seguem. Você já descobriu quem ele é no plano físico, então ligue pra ele e faça um acordo.

- E se eu não aceitar?

- Não existe essa opção k. Retiro tudo que te dei, incluindo sua capacidade de viajante, seus corpos, veículos e animais de poder. Você esquecerá até mesmo que um dia esteve aqui. Como diz o cipriota seu amigo: “ A vida é feita de escolhas”. Gostou do presente que eu te enviei?

- Não recebi nenhum presente seu!

Tem coisas que irritam você naturalmente tirando você do sério. Pessoas comendo e fazendo barulho, pessoas que falam em um timbre extremamente agudo, sua mãe te dando bronca; mas o riso dessa criatura entra nas camadas do meu ser e desperta meu ódio mais profundo. A consciência do que aconteceu me chega aos poucos como um telegrama. Não acredito que meu amigo mais querido fez isso.

- O que tinha naquele maldito vinho?

Quando você pergunta algo que já sabe e se sente um idiota completo. Prana! Extraído da fonte, por esse motivo tanto poder. Meu amigo cipriota me vendeu. Maldito.

- Sei que tem mais coisa Vitra. Fala!

- Mantenho seus poderes e te falo o que Izaque busca. Você acha que sabe o que é. Vai gastar muito tempo e ele pode ferir pessoas ou usá-las. Você sabe como nos comportamos.

Nesse momento o samurai fala:

- Se quiser morrer, morremos K. Não viveremos para sempre.

- Cale-se bushi! Você não viverá se continuar falando.

- Parem! Vitra, eu aceito.

- Dou por encerrado essa matança. Passo a você mentalmente os segredos que Izaque almeja. Você tem cinco dias para gravar nosso acordo aceitando-o e seja homem, providencie uma consorte, não vou poder ficar te dando prana pra sempre. Pode continuar escrevendo sobre nossos segredos, afinal, o maior poder do demônio é fazer com que ninguém acredite em sua existência. Lembre-se K. Sete visitas. Adeus.

Meu veículo astral é liberto das correntes da sugestão. Olho para o samurai e faço uma varredura atrás da Ana.

- Ela já retornou, mas está lá nos esperando do outro lado, pois o portal ainda está ativo. Foi um prazer cruzar espadas com você.

Não tenho muito que falar para o samurai nem para Ana, apenas agradecer o empenho e seguir sozinho de novo.

Volto para o meu corpo e atrás de mim as memórias chegam como uma cascata preenchendo meu cérebro físico.

Obrigado por viajar comigo. Finalizo aqui as guerras no inferno para que ninguém se machuque.

kronos
Enviado por kronos em 17/01/2017
Reeditado em 03/05/2017
Código do texto: T5884601
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