No Bosque

Saí pra passear pelo bosque e lá encontrei um de meus amigos, o cientista inglês. Cumprimentou-me e perguntou se podia acompanhar-me. Notei a elegância de seus trajes - o habitual fraque com um lenço no pescoço (ao invés de gravata). Parecia pronto para um casamento -- vestido como noivo ou padrinho. Pensei na inadequação de seus trajes para a temperatura elevada daquele dia e as condições do passeio. Olhei para os sapatos lustrosos -- todavia achei melhor nada comentar.

Assenti com a cabeça e nos pusemos a seguir caminhando, um ao lado do outro, devagar, curtindo o verde novo, o vento manso, refrescante, respirando -- misturado ao ar puro -- também o perfume que trocavam no ar as Acácias, umas com as outras. A princípio nada falamos. Cada qual mais imerso em seus próprios pensamentos e quadrados até que eu, sem perceber, quebrei o silêncio:

-- Não, essa não é boa! –- exclamei referindo-me a uma história que começava a nascer-me na cabeça.

-- Tens razão. Sem brilho, muito vulgar. Precisas de algo mais refinado -- completou-me as idéias. Um sorriso natural surgiu entre os lábios rosados bem-feitos.

Peguei-me pensando se ele agora já havia dado para ouvir meus pensamentos. Tão envolvida estava em minhas reflexões que fiquei em dúvida se havia mesmo “só” pensado ou dito o que pensava. Se falei o que pensara, disse o seguinte:

Conto minimalista: Saco de Gatos

O marido entra pela porta da frente.

Pouco tempo depois um homem salta por uma janela. Num dos braços, traz um gato preso -- num saco. Manchete de jornal no dia seguinte: Bombeiro cai e rasga o saco tentando salvar gato.

-- Não importa! -- pensei. E em seguida, olhando para o meu amigo, disse: -- Literatura também? Tu me surpreendes a cada dia!

-- Se tivesses participado de algumas de minhas aulas terias visto o quão importante é para um cientista saber contar histórias... -- dizia ele.

-- É verdade, havia me esquecido de tuas qualidades didáticas... Tens razão! -- interrompi-o, mesmo sabendo que ele odeia tal coisa.

--E tu, pequena, o que é feito de TUAS qualidades? -- inclinou a cabeça um pouco em minha direção e pôs-se a mirar-me os olhos, inquiridor.

-- As coisas agora estão mais complicadas, tu bem o sabes. -- soltei por fim, após um breve período de desconcerto.

-- E o que não é MAIS complicado aqui, na Alemanha? -- sorriu. Agora olhava pra frente, fitando as belas árvores ao longo do caminho.

-- Não digas isso... Falas assim só por seres inglês! -- disse eu fazendo pilhéria.

-- Se bem que um de meus melhores amigos é alemão... Schönbein, meu amigo Christian. Além da amizade, excelente parceria científica.

-- De Basel, não? Ou Basiléia...

-- Ele nasceu em Metzingen, no sul da Alemanha. Só muito depois mudou-se para Basel, na Suíça, para assumir um professorado na área de Química. Sabias que ele deixou a universidade sem doutorado? Isso não o impediu de ser o grande experimentalista, descobridor e professor que foi.

-- E a ti também não! Sempre foste um autodidata.

-- Poucos dos grandes cientistas em minha época tiveram uma formação convencional, digo, passaram por uma universidade.

-- Hoje são outros tempos, meu querido...

-- Eu sei.

-- E Schönbein, sabes como ele vai?

-- Espero que bem. Há tempos não mantemos contato.

-- Ah, amigo, por favor, conta-me um pouco sobre tua vida de agora...

-- De novo esse assunto? Vou-me embora! -- falou zangado.

-- Está bem... Desculpa-me. Tentarei conter minha curiosidade nesse sentido, daqui pra frente.

-- E aquela sua amiga, a pintora? – perguntou –me. Na minha opinião, para mudar de assunto completamente. Resolvi morder a isca: -- A mexicana?

-- Sim.

-- Ela? Ela...

Nota da autora:

Este texto está relacionado aos seguintes (por ordem de publicação):

- Histórias;

- O Cientista;

- Sobre Necessidade de Aplausos;

- Entre Mulheres;

- À Tarde Entre Mulheres, à Noite Entre Homens.