Sobre Necessidade de Aplausos

Um dos meus amigos, um escritor, passou por aqui hoje, brevemente. Nem deu tempo de tomarmos juntos um cafezinho. Estava apressado. Parecendo ouvir o que me ia na cabeça num dado momento, disse-me:

- Lembras desta passagem? – E recitou:

“Luís Dutra também privava com as musas. Os versos dele agradavam e valiam mais do que os meus; mas ele tinha necessidade da sanção de alguns, que lhe confirmasse o aplauso dos outros. Como fosse acanhado, não interrogava a ninguém; mas deleitava-se com ouvir alguma palavra de apreço; então criava novas forças e arremetia juvenilmente ao trabalho.

Pobre Luís Dutra! Apenas publicava alguma coisa, corria à minha casa, e entrava a girar em volta de mim, à espreita de um juízo, de uma palavra, de um gesto, que lhe aprovasse a recente produção, e eu falava-lhe de mil coisas diferentes, — do último baile do Catete, da discussão das câmaras, de berlindas e cavalos — de tudo, menos dos seus versos ou prosas. Ele respondia-me, a princípio com animação, depois mais frouxo, torcia a rédea da conversa para o seu assunto dele, abria um livro, perguntava-me se tinha algum trabalho novo, e eu dizia-lhe que sim ou que não, mas torcia a rédea para o outro lado, e lá ia ele atrás de mim, até que empacava de todo e saía triste. Minha intenção era fazê-lo duvidar de si mesmo, desanimá-lo, eliminá-lo. E tudo isto a olhar para a ponta do nariz...” (1)

- Sim. - respondi simplesmente.

Ao que ele replicou:

- Pois então, se tens ouvidos para ouvir, ouve o que quis dizer-te. Publiquei este texto em 1881. Vês o quanto continua atual? A humanidade, minha cara, será sempre a mesma... Aprende com os mestres! – Sorriu matreiro, despediu-se amavelmente e foi-se embora.

Depois que ele se foi, fiquei pensando:

Pobres daqueles que dependem de aplausos para criar, produzir, escrever... E por que parece tão difícil para alguns crer que outros tantos façam tais coisas, assim, pelo puro e simples prazer, de fazê-las... e sem pretensões?

Escritores e suas fases... Quando meu amigo voltar, pergunto-lhe como costumava lidar com isso.

Esses meus amigos... Mas só eles mesmos!

1 - Trecho extraído do Romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Obra completa disponível no site http://portal.mec.gov.br/machado/

Nota da autora:

Não confundir “autor” com “narrador” (pelo uso da primeira pessoa).

Helena Frenzel
Enviado por Helena Frenzel em 28/05/2009
Reeditado em 31/05/2009
Código do texto: T1619790
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