Fazendo estrelas
E no primeiro dia de aula depois das férias, reuni a turma da 5ª série no pátio do colégio e após o aquecimento, lhes expliquei que iríamos aprender a fazer uma estrela. Uma estrela lateral, mais especificamente.
- Igual nas Olimpíadas, professor? - Perguntou uma garota magrinha, a Joyce.
- Não exatamente... nas Olimpíadas, na ginástica artística, por exemplo, os atletas fazem a estrela frontal. Nós vamos começar pela lateral, que é mais fácil. Depois, iremos ver a frontal... daqui à algumas aulas.
Praticamente todas as crianças aprenderam a fazer a estrela lateral sem grandes dificuldades. A exceção foi o Tobias, um gordinho que parecia ter sérios problemas de coordenação motora, agravada pelo excesso de peso. Tive que afastá-lo da atividade principal e lhe dar outra coisa para fazer. Ao fim da aula, chamei-o para conversar.
- Tobias, na sua casa tem Xbox?
- Tem, mas é do meu irmão mais velho, professor.
- Ótimo. Acho que tenho uma maneira de melhorar a sua coordenação motora. Vou escrever um bilhete para a sua mãe!
- Professor! - Exclamou o gordinho, apavorado. - Vai me dar uma suspensão porque não consigo fazer os exercícios?
- Sossegue, Tobias; eu quero lhe ajudar. O recado é só para a sua mãe vir aqui...
* * *
A mãe de Tobias veio. E era fácil entender de quem provavelmente o garoto herdara a tendência para engordar. Fiquei pensando se o filho mais velho também era obeso.
- Senhora Avelar, o seu filho tem tido baixo aproveitamento nas aulas de educação física e esportes em geral. Como isso já vem se repetindo desde o início do ano letivo, gostaria de saber um pouco mais sobre o histórico do desenvolvimento dele, para que possamos ajudá-lo.
A Senhora Avelar narrou uma série de casos que poderiam ser usados para definir uma criança desajeitada. E também não manifestou surpresa sobre o baixo rendimento do filho.
- O Tobias é lento, professor. Não é que não seja inteligente, mas demora pra fazer as coisas.
- Não sou terapeuta ocupacional, mas tenho uma sugestão que poderá melhorar significativamente a coordenação motora do seu filho: jogos de computador.
Ela me lançou um olhar intrigado.
- Como assim, professor? No que ficar sentado na frente da TV vai ajudar meu filho nos esportes?
- Não são jogos quaisquer. Como ele me disse que vocês tem um Xbox, imagino que possam investir na compra de um acessório chamado Kinect.
Tive que explicar o que era o Kinect, pois ela não fazia a menor ideia do que se tratava. Finalmente, captou a ideia de que se tratava de um dispositivo que captava os movimentos do corpo do jogador, dispensando o uso de joysticks e controles similares.
- Então... ele pode usar programas de esportes... como tênis e coisas assim? - Ponderou ela.
- Há programas específicos para isso... o Kinect Sports, por exemplo. Ou o Kinect Training, só para citar dois.
Agora ela parecia avaliar as possibilidades.
- E de dança? Também tem?
- Há o Kinect Dance Central. A família toda pode usar.
A Microsoft deveria me dar um bônus pela propaganda que fiz do produto deles. Os Avelar acabaram comprando o Kinect.
* * *
Tobias levou tempo para aprender a fazer uma estrela, mas finalmente conseguiu realizar os movimentos corretamente. Quando chegamos ao momento de começar o treinamento da estrela frontal, ele surpreendeu a todos, fazendo a sequência corretamente de primeira.
- Fantástico, Tobias! - Elogiei. - Pelo visto, o investimento no Kinect valeu a pena.
Tobias fez que não com a cabeça e aproximou-se de mim.
- Não foi o Kinect, professor.
E colocando a mão em concha sobre a boca, para que somente eu ouvisse:
- Eu aprendi a fazer estrelas vendo vídeos no YouTube!
- [15-10-2017]