...liberdade

Roberto subiu a escada que dava no primeiro andar com dificuldade - Ela parecia mais longa.

O coração pesava no peito.

Na mente formulava inúmeras maneiras como o diálogo com o patrão se desenrolaria. O que estava prestes a anunciar o chocaria? Sim, provavelmente o deixaria perplexo por um instante para no momento seguinte ouvir dele se bebera, se tinha ideia do que estava prestes a fazer da própria vida, que no mundo de hoje pessoas racionais não poderiam se dar o luxo de tais delírios...

A família, por Deus, que diria o pai que aos setenta anos ainda firmava-se nas pernas e operava máquinas numa serralheria? Recentemente perdera o dedo mindinho e pouco se abateu; uma semana depois voltou ao trabalho. A mãe, como fazia questão de lembrar, acordava às quatro horas desde os dez anos para trabalhar nas plantações do seu Demétrio, ainda vivo, beirando os noventa anos e que gozando de boa saúde gostava de pastorar sua criação de ovelhas e suas galinhas; seus dois irmãos que cresceram todos ouvindo o tac tac das calculadoras e computadores na contabilidade...

Chegando a frente da porta onde se lia DIREÇÃO respirava fundo, estendeu a mão trêmula e com os nós dos dedos bateu três vezes – de lá de dentro ouvia a voz grave de Alfonso ao telefone. Uma pausa:

- entre!

O Escritório pequeno parecia ainda menor. Alfonso estava do outro lado da mesa atulhada de papéis, pastas e o computador preto. Falava ao telefone enquanto enrolava o dedo no fio distraidamente. Roberto mal escutava a conversa. Sentou-se e aguardou.

O homem de um metro e sessenta do outro lado da mesa terminou a conversa e demorou ainda alguns minutos olhando o celular, ajeitando alguns papéis em ordem e pondo-os na gaveta; murmurava baixinho todo o tempo. Por fim pareceu notar novamente Roberto ali do outro lado.

- no que posso ajudá-lo rapaz?

Enquanto esperara esse momento Roberto tinha certeza que ficaria sem voz ou demoraria um tempo tentando encontrar as palavras para explicar o que viera fazer ali, mas não foi o que aconteceu. As palavras saltaram dele, um tanto trêmulas, mas firmes:

- Alfo... Senhor, Alfonso. Eu, bem... estou aqui há o que? Quatro e meio ou cinco anos. É um bom tempo não é? Bem, decidi que está na hora de uma mudança na minha vida, entende?

- Não. Por que não me explica melhor? - o rosto dele era uma máscara impassível.

E Roberto explicou.

Ao fim dos cinco minutos em que expôs o que fora fazer ali notou que Alfonso não parecia perplexo, mas um tanto intrigado. Estava calado como se ainda processasse o que ouvira; as sobrancelhas grisalhas espremiam-se uma à outra. Seus olhar era distante.

Por um longo tempo que parecia disposto a rumar ao infinito Roberto aguardou. A respiração estava presa e só agora sentiu o nó na garganta ameaçando estrangulá-lo de dentro pra fora como punição por achar que ainda eram jovem e livre, por achar que poderia largar tudo que construíra até ali por simples delírios e...

- Está certo disso? – perguntou o chefe arrancando-o dos devaneios. Na face ainda impassível acima dos olhos havia um espaço entre os pêlos. Seu olhar transmitia certa tranquilidade agora.

O nó desfez-se instantaneamente mas não pôde sequer abrir a boca. Alfonso não esperou resposta, continuou:

- quer mesmo isso Roberto? Você tem cinco anos e meio conosco como posso comprovar aqui em seu contrato. Tem tido o destaque habitual de quem se dedica de maneira correta ao que faz e a cada ano tem ganhado cada vez mais experiência. Em algum tempo pode estar subindo a níveis que nunca imaginou três ou quatro anos atrás. Ganhando bem e garantindo um bom futuro para você e sua família. Quer mesmo deixar tudo pra trás e viver como em seus sonhos de adolescente? Não me entenda mal mas você pode tomar uma porra de banho de chuva e continuar mantendo sua carreira... quer um mês de férias adiantado para por a cabeça em ordem, curtir um pouco a natureza, tomar banho de mar? Posso lhe conseguir isso ora, sem ter de desfazer-se de tudo que conseguiu até aqui.

- Senhor Alfonso. Estou separado há três anos. Minha ex-esposa me odeia e não temos filhos. Não tenho planos de conhecer alguém por agora nem formar uma nova família. Não aqui nessa cidade. Voarei para longe. Sem destino. E só – nesse momento já se levantava.

- como chama isso rapaz?

- eu chamo de...

Wenderson M
Enviado por Wenderson M em 22/08/2017
Reeditado em 28/08/2017
Código do texto: T6091612
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