Solitário e gentil.

Era assim a rotina matinal do Edgar: saía cedo de sua casa e ia até a padaria tomar seu café, no caminho passava na banca e comprava o jornal do dia. Gostava de realizar a leitura enquanto saboreava o café, comia o pão fresquinho com muçarela, sentado na mesa em frente ao caixa. Quando terminava, pagava o café e dizia um muito obrigado com uma voz rouca e amistosa.

Ao sair, caminhava pela calçada cabisbaixo até chegar em sua casa. Nunca recebia visitas, era um homem solitário. Nos seus 70 e poucos anos, aposentado, Edgar vivia em um quarto de quitinete, o qual renovava seu contrato de aluguel anualmente. Tinha poucos móveis, apenas um sofá cor amarelo-ouro, de tecido remendado, em frente à janela coberta por uma longa cortina verde escura, de tecidos leves, um relógio em inox na parede que fazia a única decoração naquela parede branca. Do lado oposto um painel para televisão, ao desta, um porta-retratos antigo, com aquelas fotografias feitas com máquinas dos anos 1990, ele mal se lembrava dos rostos na foto. Ao lado um ovo Farbejé dourado.

No pequeno quarto ao lado, a cama de casal, um modelo king Size, em um canto do quarto com um criado-mudo ao lado tendo como enfeite um abajur com formato lanterna em vitral nas cores: azul, vermelho e amarelo, lembrava aqueles símbolos usados no período de Ramadã para pessoas muçulmanas.

Edgar passava horas do seu dia sentado no sofá olhando para a cortina que às vezes movimentava-se com o vento permitido pela janela, ali ficava quase o dia todo. Viúvo, sem filhos, abandonado pelos parentes, sem amigos... Diante disso, só lhe restava viver com o que era necessário e relembrar seus anos passados, pois é isso o que pessoas de idade avançada fazem: vivem o presente com os pés fincados no passado.

Dentro de si trazia, o aprendizado que alcançou e que o levou a chegar ao momento de agora. Ele era como uma rocha lapidada pelas forças da natureza.

"Sofreu bullying quando criança, sofreu preconceito perante a pobreza de família, fez escolhas certas e erradas. Teve momentos que despertaram inveja em outros e momentos que colaborou para o julgamento negativo de pessoas sobre sua personalidade.

Em seus tempos de juventude Edgar fora um jovem forte. Não era muito bonito, mas tinha um jeito de cativar as pessoas com sua empatia, falava muito, dizia que não tinha tempo para odiar as pessoas porque andava ocupado amando quem o amava, poucos amigos o respeitavam, mas que diferencia fazia? Hoje, não mais os via, muitos já partiram dessa vida e outros espalhados em tantos lugares.

Edgar saíra de casa cedo para trabalhar, era de uma cidade do interior, mas até bem desenvolvida a partir do inicio do século XXI. Estudou, trabalhou, desesperou com trabalho mas, foi feliz.

Não teve muitas mulheres, mas teve muitos paqueras, frequentou muitos bares e festas, também a igreja e com a ajuda de Deus conseguiu construir um relacionamentos sólido.

De todas as mulheres, lembrava-se de três: Lia, Ceris e Mila.

Lia foi uma garota de catorze anos em que ele namorou quando tinha 19, mas foi um namoro tão curto que terminou tão rápido como começou. Não havia amor, não havia esperança em nenhum dos dois de terem um futuro juntos. A garota era um pouco tímida e Edgar tinha que se controlar o tempo todo, ouviam músicas juntos, dançavam, não eram muito de falar a respeito de si mesmo, mal chegaram a se conhecerem em sua essência humana. Edgar tinha amizade com a família dela e a respeitava, até que um dia nunca soube o motivo, tudo acabou do nada como começou, nunca mais voltou a ver Lia, porém, carregava consigo algumas fotos da garota e raras às vezes lembrava da menina, olhando para as fotos pensava: Como será que ela está?

Já Ceris, foi diferente: ele com quase 21, conheceu aquela morena alegre como ele, faladeira também. Ceris tinha uma filha que tinha um grande carinho por Edgar, porque ele gostava muito de crianças e se dava bem com elas. E foi muito feliz com Ceris, mas tudo acabou, talvez por desgaste do tempo, rotina sem graça ou mesmo o que diziam: acabou o amor. Ceris seguiu sua vida e foi muito feliz também, mas Edgar nunca ficou sabendo de um novo relacionamento dela.

Durante esse tempo, perdeu sua mãe e outros parentes, que saudades cada um que partia deixava.

E como o mundo nunca parou de girar, Edgar acordava, trabalhava, divertia, descansava, rezava, decepcionava e era decepcionado. Conhecia amigos passageiros bebendo, conversando, enamorando algumas mulheres, aproveitando a vida. Ceris seguiu sua vida e foi muito feliz também, mas Edgar nunca ficou sabendo de um novo relacionamento dela.

Foi em um desses momentos únicos de oportunidades que Edgar costuma dizer, conheceu Mila, o seu verdadeiro amor! Era engraçado que no fundo ele não a achava tão bonita assim, mas gostava muito dela, ela o fazia muito feliz, tinha uma família amigável e o emprego o qual Edgar estava era estável, era muito oportuno construir ali um relacionamento duradouro e foi assim que Edgar viveu 30 anos ao lado dessa mulher, ajudou-a a construir uma casa própria para eles , nunca tiveram filhos apesar da vontade de Mila, porém, Edgar nunca teve interesse algum e se prendia muito em seus próprios interesses para ter que dividir com filhos.

Mila era muito ciumenta, tinha um temperamento difícil, gostava das coisas sempre do seu jeito e não aceitava de forma alguma perder Edgar para nada e por nada na vida.

Nessa vida, nada é eterno, pensamento que Edgar sempre manteve em sua cabeça, o relacionamento terminou com a morte de Mila, ela precisou fazer um tumor maligno que perseguia muitas pessoas em sua cidade, mas durante uma cirurgia foi o seu fim. "

Depois de Mila, ele nunca voltou a se casar.

Uma grossa lágrima escapou do olho esquerdo de Edgar, uma conhecida sensação de um caroço preso em sua garganta surgiu. Edgar levantou-se da poltrona que estava, tomou um gole de água filtrada e controlou-se para não chorar a saudade de Mila. Mas sentia-se bem porque sabia que havia feito dela uma mulher muito feliz, ele sempre procurava sorrir e concordar com as decisões dela, porque esse era seu jeito, não era de brigar e quando não gostava de algo procurava se manter mais calado. Também nunca foi homem de se preocupar com enjoos femininos.

Nos tempos de agora, Edgar não sabia de mais ninguém, havia perdido o contato com os parentes de Mila, cada um construiu e seguiu sua vida, assim como seus amigos, seus parentes quase todos já estavam mortos e os mais jovens não o conheciam tanto ou estavam ocupados vivendo suas vidas.

E assim era Edgar um senhor solitário e gentil com o próximo que o atendia prestando um serviço e outro.

Agora era hora de voltar à lanchonete para seu almoço (risos) impressionante como mesmo depois de velho o gosto de experimentar comidas diferentes em texturas, sabores e cores nunca mudou. Era hora de procurar por um bom restaurante e fazer seu pedido para entrega, não se sabe o por quê mas a lembrança de Lia surgiu em sua cabeça novamente.

Liliene Maria Rodrigues
Enviado por Liliene Maria Rodrigues em 15/08/2017
Reeditado em 15/03/2022
Código do texto: T6085031
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