Dor de dente

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, 12 de julho de 2017

Avenida do Cinquentenário, em Itabuna, Bahia, ano de 1969. Andava eu, com a gengiva anestesiada e o dentista que me atendera, em busca do consultório de outro dentista. O meu dente, mesmo anestesiado, doía muito. O dentista me pedia calma, pois tudo seria resolvido quando chegássemos ao consultório do colega dele.

—Tenha calma, dois profissionais trabalhando juntos o resultado é sempre positivo, dizia o dentista que me fazia acompanhá-lo.

Vou contar como tudo aconteceu.

Naquele dia, acordei com dor de dente que me impedia de ir trabalhar. Fiz uso de analgésico, mesmo assim a dor não passava. Telefonei para um amigo para que ele me indicasse um dentista de seu conhecimento. Fui informado que na Avenida do Cinquentenário havia um profissional da odontologia que muito bem poderia cuidar de minha dor. Anotei o endereço e rumei para lá. Não conhecia quase ninguém na cidade, pois eu chegara fazia apenas dois meses.

Como eu disse, me dirigi até o consultório desse dentista, que ficava no primeiro andar de um prédio velho. Subi uma escada de mais ou menos quinze degraus, encontrei três portas estreitas e em uma delas estava escrito Doutor Morais, Dentista. Bati à porta, ela foi aberta, entrei e me dirigi à atendente.

— Estou com muita dor de dente, o dentista já chegou? – Perguntei, esboçando palavras com dificuldade. A moça olhou para mim e, com sorriso zombeteiro, falou:

— Ele só chega depois das nove horas, disse sem mesmo levantar a cabeça.

Eu pensei, ainda eram oito horas, seria mais uma hora de dor, se ele chegasse na previsão da atendente. Ele só veio chegar às dez horas.

Olhei para aquele senhor idoso, com cara de cansado, que acabara de entrar e não senti firmeza. Mesmo assim, criei coragem e o segui até o consultório, onde havia uma cadeira de dentista com dois pedais, dois mochos – assento sem encosto e braço -, um refletor, uma mesa auxiliar com quatro saídas para instrumentos e uma gaveta, uma cuspideira, mezinha, armário e pia. Em um dos cantos da sala, duas cadeiras e uma pequena mesa, onde o dentista fazia a consulta e anotava, em fichas apropriadas, as informações dos pacientes. Não havia aparelho de raio X, o que me deixou preocupado, pois sabia que as raízes da maioria de meus dentes eram profundas e quase sempre encravadas no maxilar.

Informei ao dentista que a dor vinha do penúltimo dente superior, lado esquerdo, o que ele me esclareceu ser um pré-molar. Notifiquei-o também da natureza das raízes de meus dentes, pois acreditava que ele iria querer extraí-lo, costume muito usado, naquele tempo, em intervenções rápidas.

Convidado, sentei-me na cadeira odontológica, o dentista vestiu o seu jaleco branco e se aproximou de mim, já com uma ferramenta à mão, dizendo:

— Abra a boca – eu obedeci – ele continuou – O seu dente precisa ser arrancado, sentenciou. — Será um procedimento simples, completou o dentista.

Preocupado, lembrei-o sobre as raízes de meus dentes. Prontamente veio a alegação da experiência, da competência:

— Não se preocupe, tenho cinquenta anos de atividade nessa profissão, sou perito em extração de dente, falou o dentista, com certo ar de superioridade.

Depois dessa afirmação, dei meu consentimento para extirpar o meu pré-molar. O Doutor Morais tirou de uma das gavetas do pequeno armário alguns fórcepses, os famosos “boticões”. Pegou um deles e introduziu na minha boca. Antes, ele usou o carpule, seringa utilizada para anestesiar a região ao redor do dente afetado, evitando, assim, a dor.

Segurando firme o ”boticão “ele fez dois movimentos suaves, sem sucesso. Trocou de Fórceps e fez nova tentativa para deslocar o meu dente. Também sem sucesso. Na terceira tentativa, senti que um pedaço do osso do maxilar superior havia se quebrado. Dei ciência do ocorrido, mas ele não acreditou, e fez mais um movimento, desta vez, brusco. O osso se deslocou completamente do maxilar, e então ele convenceu-se do ocorrido. Desmaiei e quando acordei, pelo efeito do algodão ensopado de álcool colocado próximo às minhas narinas, fiquei assustado.

Percebi a preocupação do velho dentista, pois o efeito da anestesia estava passando e eu passei a gritar de dor. Imediatamente ele retirou seu jaleco, pediu para eu descer da cadeira e nos encaminhamos para a porta de saída.

— Vamos até o consultório de um colega, dois profissionais trabalhando juntos é mais seguro, disse o experiente dentista.

Chegando no consultório do Doutor Hamilton, este providenciou logo uma radiografia. Ficou constatado que o osso ainda estava agarrado à raiz do dente, que havia pequenos fragmentos, desse osso, dispersos e seria necessário fazer uma cirurgia. Levei oito pontos. Com o osso extirpado, saíram também o pré-molar e o molar. Assim, perdi dois dentes e a possibilidade de fazer implantes no mesmo local. Fiquei oito dias sem poder trabalhar.

Voltando ao início deste conto, à Avenida Cinquentenário, ao passeio inusitado acompanhado pelo dentista; andamos mais de trezentos metros pela avenida mais movimentada de cidade, que se estende por todo o seu centro comercial, com gente indo e vindo de um lado e do outro da avenida. E eu, com os lábios e bochecha inchados, falando precariamente, sentia-me envergonhado ao ser avistado por amigos. Procurava esconder a boca com uma das mãos e a outra, acenava para aqueles que me cumprimentava. Dias depois, tive que explicar a estes amigos o ocorrido. Tive a compreensão de todos eles.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 17/07/2017
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