PRIMEIRO EMPREGO

Recortou aquele anúncio dos classificados de um tradicional jornal. Colocou-o na carteira e fez sinal para o ônibus. Embarcou.

O trajeto de seu distante bairro até o centro demorava cerca de uma hora. Neste meio tempo, lia e relia o pequeno pedaço de papel: "Necessita-se garçom para estabelecimento noturno. Não é preciso experiência. Possuir boa aparência"

Ele sabia que boa aparência era um eufemismo para camuflar o preconceito racial. Infelizmente, muitas lutas ainda deveriam ser travadas.

Perdido em suas reflexões, não percebeu que chegara ao ponto final. Foi quando o cobrador falou:

- Te liga guri, já estamos no Centro

- Obrigado, estava distraído

Desceu do coletivo e começou a procurar o endereço. Este ficava numa porção boêmia da cidade. Sentia o cheiro da cerveja e o falatório dos homens discutindo futebol.

Chegou ao bar. O local era pintado em cores contrastantes e a porta era almofadada. Entrou.

Dentro, um grupo de rapazes tentava esconder seu estranhamento O salão era pouco iluminado, úmido, um certo cheiro de mofo se desprendia dos banheiros.

Logo, um sujeito com uma cicatriz na face se aproximou. Sem rodeios, disse:

- O chefe quer ver vocês. Atravessem este corredor.

Todos obedeceram. Logo, estavam diante de um sujeito, absurdamente obeso, com várias pulseiras e uma grossa corrente de ouro no peito. Ele estava apoiado em vários almofadões e tinha uma aparência estranha

- Bem-vindos. Preciso de três rapazes para atender nossos clientes. Eles são médicos, advogados, professores universitários. Gente de fino trato

Prosseguiu:

- Na madrugada, eles podem requerer certos serviços especiais. E vocês devem ficar disponíveis para tanto.

Eu e outro rapaz nos olhamos, desconfiados. Um outro resolveu perguntar:

- Que serviços são estes?

O gordo respondeu irritado:,

- Não se façam de inocentes. Isto aqui é um bar gay e estou precisando de garotos que sirvam bebidas, dancem e façam programas com os clientes. Entendido?

Todos se calaram.

Aproveitei que era o último da fila e saí de mansinho. Por dentro, a alma sobressaltada.

Hoje, remexendo nas gavetas da memória, Marcos me contou este caso. Não poupou gargalhadas.

Disse-lhe, então, de forma descontraída

- Isso pode virar literatura. Deixe comigo.

E assim o fiz.

Ricardo Mainieri
Enviado por Ricardo Mainieri em 12/06/2017
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