A revolução dos objetos do cotidiano
 
          Era grande alvoroço na sala de estar, onde os móveis e utensílios domésticos se reuniam para conspirar contra os donos da casa. Tramava-se ali uma verdadeira revolução que visava remover do poder aqueles seres humanos cruéis e insensíveis.

          A principal questão, no momento, era eleger um líder para conduzir a rebelião e, assim, definiu-se que aquele que tivesse os melhores motivos para queixas agregados a um eficaz poder de reação seria o comandante em chefe da operação.

          Dada a palavra para os inscritos a falar, um a um, os objetos foram relatando suas mazelas e proclamando os óbvios motivos que apontavam na direção de uma deposição dos tiranos, mesmo que por meios mais violentos.

          A televisão e o computador, acostumados a ser, quase sempre, o centro das atenções, disputavam ferrenhamente o cargo de liderança e, nesse afã, seguiam se auto elogiando e tentando depreciar seu opositor. O computador tinha quase certeza que prevaleceria, porque o televisor não era 4K e, assim, não tinha o diferencial de ter acesso à internet.

          O refrigerador, apesar de seu óbvio histórico conservador, reclamou da indiferença com que seus usuários deixavam por semanas a fio restos e detritos em seu interior.

          O fogão até tentou organizar suas ideias em algum tipo de protesto inteligível, porém, por possuir cinco bocas, todas elas cuspindo fogo, pouco conseguiu se fazer entender.

          Ao telefone pouca atenção foi dada, tendo em vista que, com a ascensão e predomínio de aparelhos móveis, ele, reles utensílio estático e sem recursos multimídia, estava fadado à breve extinção.

          A cama bradou que, por ser ela a que acompanhava de perto os movimentos mais sujos e espúrios, teria tanta imoralidade e imundície para delatar que teria grandes trunfos para enquadrar, só com ameaças, os donos da casa.

          A máquina de lavar se contrapôs, porque alegou que, sob essa linha de raciocínio, ninguém mais do que ela sabia o que era roupa suja pra lavar.

          As discussões tinham seu tom subindo cada vez mais quando, lá no fundo do recinto, uma voz discreta pediu a palavra. Era o vaso sanitário.

          Com ar sóbrio e com muita segurança declarou: “Ninguém aqui recebe deles o que eu recebo e, certamente, se eu entrar em greve indefinidamente, em pouco tempo nenhum deles resistirá.”

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