Jornada

Minhas mãos doem. O peso de cada peça de roupa sobre meus dedos começa a machucar. "Mais um pouquinho", repito para mim mesma. Metros depois - ou quilômetros, não sei dizer ao certo - chego ao ponto de encontro. A maioria das pessoas ja havia chego. A animação era tangível. Cavernas! Cachoeiras! Petar! Torço mentalmente para aquela alegria me contagiar...

Entro no tão conhecido ônibus de meus campos. Sento-me sozinha, deixo o acaso decidir quem irá passar o longo caminho ao meu lado. Uma por uma as pessoas vão entrando, todas já sabendo quem são seus companheiros de viagem. O lugar ao meu lado permanece vazio. Ótimo, vou ter dois bancos só para mim.

Descubro que comemorei cedo demais. Chega um rapaz, pergunta se o banco está vazio. Sim, ele estava. Estava. As regras da boa educação dizem pra eu me apresentar e perguntar pelo menos o nome do meu vizinho de banco. Mas não faço isso. Não estou para muitas conversas hoje. O acaso foi bondoso comigo... Sentar ao lado de um completo estranho me dá um motivo para não falar muito.

Começa a longa viagem. O frio esgueirou-se sorrateiramente para dentro do ônibus e sua gelada presença é sentida por todos. Meus pés reconhecem um velho amigo e cumprimenta-o resfriando-se de uma maneira inacreditável.

Em pouco tempo o silêncio passa a tomar conta. A hora vespertina e o cansaço de uma noite interrompida cobram seu preço. No escuro da madrugada um par de olhos observa pela janela. Meus olhos. O que eles procuram ver está há milhares de milhas. Mesmo assim, continuam abertos, olhando o que não pode ser visto. O vidro da janela começa a embaçar, por causa da respiração quente das pessoas. Chega a um ponto que já não consigo ver o que se encontra do lado de fora da minha janela. Enfim começo a dar o braço a torcer - ou melhor, os olhos - e adormeço.

Perco a noção de quanto tempo dormi. A dor no meu pescoço diz que foi mais de uma hora e o relógio confirma dizendo que foram quase duas. Vozes começam a diluir o silêncio. Meu companheiro de viagem resolve se unir a essas vozes. Aparentemente ele conhece a dupla sentada atrás de nós. O assunto? Animais. Estou tendo um curso intensivo de reconhecimento de pássaros, morcegos e afins. Já sou capaz de diferenciar um gavião carcará de um gavião do campo (o gavião do campo tem uma mancha branca no peito) e quase sei dizer a espécie do morcego analisando apenas o seu rabo! Incrível as coisas que se aprendem em uma simples viagem...

Sinto que estou sendo um pouco injusta em falar assim do meu companheiro de viagem. Ele parece ser uma boa pessoa e fala sobre os animais com uma paixão invejável. Ele e os amigos só querem uma boa foto de um gavião do campo ou, se derem sorte, de um morcego com o rabo curto. Eu costumava falar das coisas com essa mesma paixão, mas ultimamente tem sido muito difícil encontrar o caminho para tal empolgação, já que o motivo das minhas alegrias está distante de mim...

Olhando novamente pela janela vejo paisagens passarem por mim... Deixo meus pensamentos serem levados com elas. Faço uma rápida prece a Deus, pedindo que Ele me ajude a ver o que há de belo nos lugares que vou encontrar à minha frente.

Alguma cidade qualquer, 20 de junho de 2014.

Sollarys
Enviado por Sollarys em 21/05/2017
Código do texto: T6005089
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