A Quadratura do Círculo- cap. 39

Paloma e Rufino se afastaram, lentamente, como as coisas são; tinham outros amigos, outras atividades, outra renda; o mundo é assim e, finais felizes só existem em romances; a vida segue seu curso; não digo que as coisas não se aperfeiçoem; seguem uma linha, porém não um caminho de “felicidade”, inventado pelo Romantismo; a mesquinhez, a frieza predominam sobre a inocência que outrora tínhamos; mesmo quando éramos malvados, quando crianças, era só brincadeirinha; nada parecido com agora. Uma coisa se aperfeiçoa, sim, é o fim das ilusões. Caminha esse texto para o fim; não que haja um desenlace, típico dos romances, muito contrário disso; poderia ter dado ponto final aqui ou alhures, que seria a mesma coisa; a única diferença é que teríamos mais idade e menos ilusões.

Ah, um adendo; meu pai se confundiu no meu batismo; o célebre navegador foi Bartolomeu Dias; Bartolomeu Bueno da Silva foi um bandeirante; uma prova de que nossa cultura é falha até nos batismos, mas valeu a intenção. Isso representa bem o Brasil; tudo precário e formado de colchas de retalhos, mas vamos levando, aos trancos e barrancos.

Eis que recebo a notícia, não pessoalmente, mas soube de amigos em comum: Paloma estava grávida! A nonna deveria estar exultante; o babo , então; queria ver a cara da Manolita; deve ter dançado um flamenco, olé! Era tudo o que mais queriam, para as pessoas comuns; quer dizer, eles eram comuns, mesmo que cobertos de jóias. Para pessoas comuns, desejos comuns; uma casa na praia, viajar pela Europa, sei lá; talvez tenha uma ponta de inveja, porém quero algo mais; não sei o que é; a vida seria só isso? Nossa função é de reprodutores e de perpetuar a espécie? Mas isso os animais já fazem muito bem. Acho que peguei pesado; estou feliz com a criança; quero estar; não digo que não queria estar no seu lugar, senão não seria humano; o que me faz humano me faz pensar assim.

Começo a trabalhar na Ilíada; é um projeto para anos; não é fácil traduzir grego e a editora já me deu um adiantamento, o que dá para tocar a vida. Rafaela cuida dos afazeres; foi criada “como antigamente”; nunca passou pela sua cabeça nem na de seus pais que a mulher poderia desejar algo mais da vida, mas ela aceita tudo com um sorriso. Rufino ganha cada vez mais dinheiro; parece que brota de suas mãos; tem um faro para a ação que vai subir ou vai cair como ninguém, mesmo que escreva exceção com “s”, não importa , ganhando dinheiro, tudo bem ; o mundo o vê com outros olhos, grandes , como seu tamanho, que só pensa em musculação. A mim, veem com os olhos deles, e , nem ligo :” estranho, excêntrico, ensimesmado, misantropo”; a humanidade é pródiga em adjetivar o que não conhece e não entende; aliás, nem eu mesmo me entendo; aliás, vou imitar o Apolônio e escrever sobre Chavões: “o que é a vida? Por que estamos nesse planeta? Nascemos pelados, mas depois nos cobrimos de tantas coisas, como títulos às vezes maiores do que a própria pessoa. Há uma série de teorias e conjecturas sobre o que somos, mas nenhuma delas jamais me convenceu; sou como Sócrates: “só sei que nada sei”.

O professor Avogadro arranjou uma nova esposa; uma jovem, perto dele, uns 30 anos mais nova; veio me apresentar; parece que era uma estudante que foi fazer uma entrevista com ele; apaixonaram-se; quer dizer; ela aguenta suas longas conversas e balança a cabeça; de vez em quando dá uns apartes, que ele respeita. Cortou um pouco os cabelos e está mais apresentável. Agora não tem tanto tempo para me dar atenção ,ou, , eu a ele. Que seja feliz.