Linha 78

- Passa na Santos Dumont?

- Passa perto. Você desce na estação Dorrego, em La Chacarita.

O homem corpulento, de cerca de 40 e poucos anos, ligeiramente acima do peso e vestido de cáqui, embarcou no ônibus da linha 78 na Villa Ballester. Depois de informar-se com o motorista, sentou-se num lugar vago ao lado de uma garota que teria talvez metade da sua idade, piercing no nariz, cabelos tingidos de roxo, minissaia jeans e uma camiseta preta onde se via a polêmica imagem de Evita Perón e Cristina Kirchner entrelaçadas num longo beijo. A garota estava entretida com seu celular nas mãos, fones no ouvido.

Tudo transcorria tranquilamente, até que no cruzamento de Diego Pombo com San Lorenzo, o coletivo freou bruscamente para não bater numa motocicleta que não havia respeitado a sinalização. Com a freada, a garota bateu a cabeça no encosto do banco da frente. Levou a mão à testa, onde havia surgido uma equimose.

- Você se machucou? - Perguntou algo desnecessariamente o homem.

Ela o olhou, expressão aturdida, e depois retirou os fones de ouvido.

- O que disse?

- Perguntei se havia se machucado.

- Ah! Eu... acho que vou ficar com um galo na testa...

- É bom colocar gelo depois - sugeriu ele.

- Sim - respondeu ela. Fez menção de recolocar os fones de ouvido quando o homem apontou para a ilustração da camiseta.

- Desculpe, mas você é antiperonista?

A garota franziu a testa.

- O quê?

- O desenho... na sua camiseta. Os peronistas não gostam dele.

- Ah! Sei... não, não é nada contra os peronistas. Eu sou a favor do casamento igualitário.

O homem balançou a cabeça, ar de desgosto.

- Pensei que fosse antiperonista. Eu votei em Macri.

- Azar o seu - retrucou a garota.

E recolocou os fones de ouvido.

[26-04-2017]