Sr. sonhador pt1

Olho para minha mão sobre o braço da poltrona. A pele manchada, enrugada e flácida, as unhas frágeis. Marcas do tempo sobre quem ousou viver demais. Mas sinto que não vivi. Tenho em minha mente tantas memórias, como se tivesse ciência de todas as vidas dos outros eus que viveram nos universos paralelos com todas as suas escolhas e vidas possíveis. Eu sou o que não viveu, o que escolheu sonhar.

Você pode estar rindo de um velho resmungando sobre algo tão inútil . A verdade, porém, é que de tanto sonhar perdi a minha vida inteira. Nao falo sobre fazer planos ou traçar metas. Agora mesmo, por exemplo, deve haver algo interessante na televisão ligada a minha frente, que olho fixamente sem prestar atenção, deve haver uma conversa animada entre as pessoas ao meu redor, mas estou aqui no meu velho abrigo, dentro da minha mente, onde tenho me escondido da vida desde que me entendo por gente. Daqui surgiram as mais variadas aventuras, jornadas impossíveis, amores, lutas, vidas completas, do começo

ao fim. Parece ridiculo trocar a vida por fantasias, mas, infelizmente, muito do tempo que poderia ter usado para viver momentos reais e aprender coisas, amar, odiar e ficar proximo das pessoas joguei fora em devaneios. Porque o mundo do devaneio é muito mais colorido e interessante . Tenho tudo sob meu controle, cada detalhe, desde o clima, o local, as pessoas presentes, os diálogos, com direito a replay das cenas. Ria. Sim, pode rir. Esse é só o desabafo de um velho que foi covarde, fugiu da vida o mais que pode, mas sabe que não é o único a sofrer da síndrome de sonhador.

Conheci um amigo com déficit de atenção, sempre agitado, tao ligado ao exterior, que parar e focar em algo ficava difícil. Sou de uma espécie contraria a ele. Parado e olhando para a figura em um livro, a professora não desconfiava que estava muito longe dali. Sim. Tão prejudicado quanto o colega que buscava o mundo freneticamente. E o problema persistiu durante a vida toda. Em trabalhos manuais que nao exigiam muita atencao as viagens eram possíveis. Mas nada como os momentos ociosos, como tentativas de leituras, parado em frente a tv e ouvindo música. Em certas épocas os sonhos eram tão frequentes que se metiam no foco da minha mente; atrapalhando a realização de tarefas. Sinto-me agora como um bicho assustado, criando histórias em sua mente para aliviar dores, para fugir da realidade, para ser algo, ter coisas e sentir o prazer de tudo isso. O pseudo prazer de que se nutrem os covardes.

Narro aqui parte das minhas pseudo- memórias. Coisas que aconteceram apenas na minha mente em breve balbuciarei em delírios quando a morte de mim se aproximar.

All Felix
Enviado por All Felix em 26/04/2017
Código do texto: T5981387
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