A Quadratura do Círculo- cap. 37

A Quadratura do Círculo- cap. 37

E minha tradução finalmente foi concluída; era uma versão da Odisseia, traduzida diretamente do grego; vou explicar para os não entendidos no assunto: dada a ausência de conhecedores da língua de Homero, principalmente o grego clássico, em nosso país, geralmente nossas traduções são de “segunda mão”; quer dizer , é uma “tradução de tradução”, ou seja, uma versão da obra já traduzida em inglês ou francês; os problemas relativos a isso são vários, desde imprecisões , até mudanças inadmissíveis do conteúdo original. A minha pequena obra, se não provocou revolução nos nossos acanhados meios intelectuais, pelo menos chamou a atenção de meia dúzia de entendidos no assunto, ou que achavam isso, pois lembrando Lima Barreto e o famoso ” O Homem que sabia Javanês”, nossos meios são repletos de falsos especialistas e pessoas de escassa cultura, mas que leram orelhas de livros; só enrolam a língua e se passam por eruditos.

Sem mais delongas, vamos ao que interessa; publicou-se o volume, depois de uma acurada revisão; acharam incrível tão poucos erros vindos de alguém sem educação formal; não vou discutir aqui talentos natos ou inatos; só sei que o especialista é alguém criado para preencher a burocracia nossa de cada dia, enquanto o trabalho duro é feito por entendidos do assunto.

A noite de autógrafos foi marcada também, mas nada de muito glamuroso; inclusive seria junto com o lançamento de outros livros, de outros autores; sabe como é editora universitária; não são best-sellers e é preciso economizar. Convidei a família inteira; pelo menos não passaria vexame se ninguém aparecesse, ainda mais em algo que não sai em capas de revistas, além de alguns amigos, entre eles o professor Avogadro , que convidei para fazer o comentário das orelhas. Convidei também Paloma e Rufino; não perderia por nada a cara dela ao ver o meu triunfo; pelo menos achava isso. Não convidei o Apolônio.

Estava nervoso no dia, quase como no do meu casamento; o primeiro autógrafo, lógico, foi para Rafaela, que ria como nunca, o que me deixou um pouco desconcertado; os parentes vieram; graças a Deus! Mas havia uma turma, sim, interessada em cultura grega, mais um pessoal de universidade; não muita gente, é verdade, mas pelo menos dois repórteres de jornais, esses de suplementos literários.

Ufa! Não é que tinha dado certo; alguns até compraram os livros. O professor Avogadro, muito gentil , o que não era seu costume, aprumou-se para a ocasião; penteou os cabelos revoltos e vestiu um paletó meio puído, mas que mesmo assim lhe dava um ar de dignidade.

-Lembro de ter estudado grego na universidade- era o professor Avogadro a falar, ao lhe dar o autógrafo- naquele tempo se tinha interesse pela cultura- e iniciou o falatório, que logo interrompi, senão não teria como atender aos outros.

Eis que vejo apontando no canto da sala, Paloma ,acompanhada de Rufino; uma gota de suor me percorreu; fiquei nervoso e irritado ao mesmo tempo, mas tentei não demonstrar. Eles se aproximaram de mim; Rufino sorridente e o desajeitado brutamontes de sempre; deu-me sua mão troncuda e a apertou:

-E aí, amigão? Conseguiu terminar, hein?

Não sabia se era cinismo ou ingenuidade mesmo; uma mistura dos dois. Como Paloma foi gostar daquilo? Paloma me fitou; sim, ainda gostava de mim, um pouquinho que fosse; notava-se certo carinho que não se dissipara; estava estupenda, em forma, com uma roupa um tanto ousada, meio curta, que nunca usou em minha companhia. Linda!

-Lembro de quando iniciou isso; não parava de falar em grego pela casa; não aguentava mais!

Baixei a cabeça e assinei o livro:

“Para meus queridos amigos, Paloma e Rufino, com estima de Bartolomeu Fitzgerald”

Como temos que ser fingidos; tinha vontade de enfiar a caneta neles, mas Rufino observou:

-Esse cara sempre foi cabeça; desde a escola; como admiro essa sua capacidade; não é qualquer um que escreve isso ( lia um verso em que não entendia uma palavra).

Acredito que tenha sido sincero.