Cinco minutos de sol

Pedro despertou com a gritaria das mulheres.

Duas delas disputavam um pedaço de cobertor sujo e mal cheiroso.

Com dificuldade ele se sentou apoiado pela parede.

Paralisado pela dor, ficou assistindo a confusão das mulheres.

Uma delas se armou com uma garrafa quebrada e outros homens se aproximaram, pondo fim à briga.

O céu nublado indicava que o dia seria de chuva, a baixa temperatura sinalizava para a antecipação do inverno.

Pedro apalpou as pernas inchadas e doloridas.

Com mãos trêmulas, empenhou-se em espantar os mosquitos que tentavam pousar nas feridas que se espalhavam rapidamente sobre os membros inferiores.

Tinha a sensação de que o frio agravava o desconforto provocado pela dor.

Caetano, o leal amigo, chegou trazendo bebida e fatias de pão.

Estavam secas e emboloradas, mas os dois não se importaram.

O velho comemorava a sorte de conseguir alimento e bebida, Pedro agradecia.

O problema nas pernas estava piorando, ele sentia que o tempo entre os colegas da rua se esgotava.

Numa manhã qualquer seria encontrado morto.

Uma chuva fininha começou a cair acentuando o odor de fezes e urina espalhadas pelo local.

O frio era amenizado pela cachaça de péssima qualidade.

Caetano percebeu o sofrimento do outro, protegido por um plástico saiu novamente, dessa vez, prometendo trazer remédio que aliviasse a aflição que presenciava.

Era um homem com mais de sessenta anos, entretanto esbanjava agilidade e saúde física.

Pedro ficou inerte, observando o amigo se afastar.

A chuva se tornava mais forte e ele desejou ter o cobertor imundo das mulheres sobre suas costas.

Enquanto se cobria com jornais velhos, subitamente perguntou –se sobre os caminhos que o haviam conduzido até ali.

Evitava aquela indagação, a resposta podia machucar mais do que as feridas que tomavam as pernas.

Lutou para que aquele momento de lucidez se dissipasse.

Rendido aos cinco minutos de sol em suas lembranças, voltou ao passado.

Recordou a primeira noite em que dormira na rua, magoado, com raiva do mundo e da vida.

Com o passar dos anos se conformou.

A família, o emprego, os projetos tinham seguido o trajeto da enxurrada que ele via se formar, perante os olhos descrentes.

Um dia fora grande. Menor apenas do que seu orgulho e as mentiras em que havia acreditado.

Perdera tudo.

Não desejou, porém uma segunda chance ,queria apenas que Caetano voltasse logo, trazendo os medicamentos ou, pelo menos, um pouco mais de aguardente.

Lucia Rodrigues
Enviado por Lucia Rodrigues em 21/04/2017
Reeditado em 01/05/2017
Código do texto: T5976744
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