Deixa ir

Eu tomava meu café na segunda-feira, às 7 da manhã, quando o telefone da cozinha tocou. Ergui-me e atendi, imaginando quem estaria ligando tão cedo.

- Eu te perdoo - disse uma voz de homem, do outro lado da linha.

- Perdoa de quê? Quem está falando?

- Você não deve lembrar-se de mim, trabalhamos na mesma empresa há 20 anos... Adroaldo, da contabilidade.

Houve um curto silêncio, enquanto eu voltava duas décadas mentalmente.

- Adroaldo... sim, lembro de você - respondi. - Você queria tirar férias no mesmo mês que eu. Só que eu havia pedido antes.

- Era uma emergência - prosseguiu ele. - Eu precisava cuidar da minha mulher, que ficou doente.

- E eu tinha que gozar as férias que havia planejado há meses, - retruquei - passagens compradas, hotel reservado e tudo mais. Lamento, Adroaldo.

- Não me restou outra alternativa que não me demitir. Tive um grande prejuízo financeiro por conta disso.

Fiquei embatucado, mas Adroaldo ainda não terminara.

- Seis meses depois, ela morreu.

Desconcertado, só pude dizer:

- Não poderia ter imaginado...

- Não, - disse ele - a morte dela não foi culpa sua. Mesmo que eu houvesse tirado aquelas férias, nada mudaria. A doença era grave, e o quadro irreversível. Pedir demissão e passar os últimos seis meses ao lado dela foi a melhor coisa que eu poderia ter feito. Portanto... deixa pra lá.

E, antes de desligar, repetiu:

- Eu te perdoo.

[23-02-2017]