À distância

O vulto de terno escuro na TV falava pausadamente e fazia gestos amplos, abrangentes. Ao meu lado no sofá, ela comentou, voz neutra:

- À distância, ele não parece um ser humano normal?

Eu a encarei, o rosto oval iluminado pelo bruxulear da lareira eletrônica. Parecia tranquila.

- Normal como? Seria ele um alienígena se fazendo passar por um de nós? - Respondi, em tom de brincadeira.

- Ele pode não ser um alienígena, mas certamente está longe de ser um de nós - disse, convicta.

A tela da TV foi preenchida por um close do entrevistado, como se ele estivesse chegando mais perto para ouvir do que estávamos falando.

- Consegue imaginar essa pessoa jovem? Praticando esportes? Tomando um sorvete, talvez? - Ela soou desconsolada.

Balancei negativamente a cabeça.

- A impressão que tenho é que ele já nasceu velho.

- Sim. E isso torna tudo ainda mais assustador. É como se fosse um morto-vivo, discutindo políticas que só afetarão aos vivos.

Sorri.

- Então não estamos mais falando de alienígenas, mas de zumbis.

Ela recostou-se contra mim e sussurrou no meu ouvido:

- À distância, zumbis ainda se parecem com pessoas vivas...

[18-02-2017]