Desencontro

Estava um dia frio, saia vapor de minha respiração. Vestia um terno preto completo, não era um terno caro, mas eu não parava de pensar que estava muito mais bem vestido do que a situação exigia. Caminhava devagar pensando naquele encontro. Não que fosse um encontro às cegas, daqueles que se marca na internet com Gisele Bündchen e na hora ela não aparece por ser um homem de quarenta anos, gordo, que mora na casa da mãe e que engana quinze pessoas só pra se sentir desejado por alguém. Já conhecia a garota, era filha de uma amiga da igreja de sua mãe. Brincavam juntos quando crianças. Mas eu larguei a igreja quando fiz meus dezoito anos. Ouvi muito sobre isto em todo almoço, mas anos se passaram e ela mudou de foco, agora enche minha paciência com o fato de eu estar sozinho. No começo eram apenas indiretas com comentários tipo: “Que vontade de ser avó”, “sabe o que falta nesta casa? Uma criança”. Mas agora já falava diretamente.

Decidi ir a pé, por morarmos perto um do outro, e ter um restaurante muito bom próximo a nossas casas e claro que por eu não ter um carro, mas ela não precisava saber disso. Cheguei a casa dela toquei a campainha e esperei. Uma mulher mais velha me atendeu e me convidou para entrar. Eu sem pensar direito aceitei, droga, agora tinha que conhecer a família dela. Entrei. Ela me apresentou uma senhora muito velha, devia se a avó da minha prometida, sei lá, não prestei muita atenção na apresentação delas, pois provavelmente não veria elas mais. Apenas aceitei este encontro por consideração a minha mãe e por ter sido ela que marcou apenas me avisando o dia e horário.

A minha companheira desceu as escadas. Ela era linda. Talvez não tenha sido uma perda total de tempo. Eu a cumprimentei meio desajeitado. Nunca sei se beija a bochecha quando se conhece uma mulher ou só quando já são conhecidos. Neste caso não era para ter duvida, eu já a conhecia, mas foi estranho do mesmo jeito.

Caminhamos e conversamos um pouco. Descobri que ela também havia largado a igreja e que tinha virado tatuadora. Não dava para advinha sua profissão, tirando uma flor em sua mão não tinha outra tatuagem visível. Sempre imaginei que tatuadores fossem completamente tatuados e cheios de piercing e alargadores.

Incrível como ela era fascinante. Ela falou das comidas que comeu pelo mundo, das duas faculdades que fez e largou, falou sobre lugares e pessoas que conheceu, falou que chegou a morar na França. Eu não tinha muita coisa pra falar. Tinha largado minha faculdade, tinha um emprego ruim e morava com a mãe. Preferi ouvir a falar.

Em poucas horas ela me fez apaixonar por ela. Parecia ter um talento para isso. Quantos já teriam caído nos encantos dela?

Comemos e voltamos caminhando ela continuou falando de suas historias. No portão da casa dela nos despedimos. De novo uma situação constrangedora. E agora? Onde eu beijo ela? Resolvi pelo seguro e beijei sua bochecha. Fui embora arrependido pela minha escolha.

Nos dias seguintes liguei para ela e tentei marcar de nos encontrarmos novamente. Mas ela não aceitou, disse que não queria se envolver muito. Agora fico em casa culpando minha mãe por minha tristeza, afinal se não fosse ela não estaria apaixonado por uma mulher que eu consigo ver todos os dias conversando com outro homem da minha janela.

Filipe Cruz
Enviado por Filipe Cruz em 16/01/2017
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