A Quadratura do Círculo- cap. 28

Havia dito ali atrás que era um inconformista nato; nem sempre; às vezes me contradigo, aliás, o ser humano é a contradição pura. Nunca pretendi ser herói de coisa nenhuma; aliás, estou bem longe disso. Quando pude , escapei pela tangente para não enfrentar as coisas de cara; até outro dia, ao ver um local excessivamente requintado em que tinha que entrar e perguntar alguma coisa, circulava várias vezes em torno da porta, sem coragem de encarar quem quer que seja. Minha mãe me pediu , uma vez, que subisse em uma mesa meio bamba para trocar uma lâmpada; como tremi de medo e, via colegas que subiam em muros todos serelepes ; eu, na maior vergonha, não conseguia subir em uma mesa !

Não que isso tenha sido de fundamental importância em minha vida e, não escalar muros não me fez falta nenhuma; quer dizer, se para traduzir versos em latim e grego é fundamental subir em telhados e azucrinar vizinhos eu não sei, o mesmo se há algum tradutor que é exímio ginasta; isso não o impede, de maneira alguma, de exercer as virtudes do intelecto, porém os meus colegas, esbaforidos e em busca de uma bola para chutar a gol, duvido que, suados, pegariam um livro e escandiriam versos de Camões; cada um com sua habilidade,ou inabilidade, como a minha, no trato com o gênero humano.

Porém, ah, porém, como diria a antiga música, sempre havia aqueles com que me dava bem; não eram muitos, geralmente aqueles que pensava ser como eu, ou pior; uns tresloucados, pois o que cheira a normal, ah, que pobreza! Pelo menos no meu tosco entender. Antes me tomava a sério e me chamavam de esquisito , se bem que em castelhano esquisito é algo bom; por isso resolvi lançar mão da ironia; quer dizer, troçava de todas as coisas e...me tinham por palhaço. Resolvi aceitar a pecha de bobo-da-corte e me tornei o comediante da turma. Sim, pela primeira vez me aceitavam como membro do mundo dos mortais; antes me tinham como alguém que tirava boas notas; agora, me achavam meio pancada ,mas engraçado; queriam-me por perto; dizia as maiores pilhérias; sempre fui hábil em criar; criava piadas, e ...todos riam, até a professora! Às vezes caía da cadeira,e , a classe inteira ria; outras vezes fingia que caía e, era convincente, pois riam assim mesmo; imitava aves, políticos, programas de tv. Sempre tive uma queda pelo humor; via O Gordo e o Magro, várias vezes cada episódio.

O que poucos sabem , porém, é que o humorista é a pessoa mais crítica,aquela com argúcia para observar a realidade e ironizá-la, com algum fim; querem que pareça palhaço; pois bem, adoro esse título. Na formatura me convidaram para dar o show no pátio, com toda a escola me olhando e, suprema ironia: sempre adorei o palco; lá é meu elemento e, como sempre gostei de rock, lá ia eu imitar o Elvis! As meninas da classe cuidaram do figurino; os professores também fizeram graça, mas a atração principal era eu! Fiz as graças e palhaçadas de sempre e, depois, a imitação mais tosca de Elvis que já se viu; não levo o mínimo jeito para dançar; o Bira tentava acompanhar no violão: “tutti-frutti, all true...”, mas não deu, foi uma comédia, como sempre; no fim, todos riram.

Depois foi a festa na casa de uma colega; me convidaram, enfim, todos alegres; aquela menina reparou em mim, desde o começo; sim, eu não era feio, porém não era um galã nem daqueles tipos populares, esportistas e namoradores. Eu fiquei encostado a um canto e vi que ficou ao meu lado. Não a conhecia; era amiga de uma amiga; depois ela me disse que reparara em mim e que ficou ali, à espera de que a convidasse para dançar:

-Será que esse cara não vai me convidar para dançar?-teria dito-Qual é a dele?

Não o fiz, não por falta de vontade, mas por timidez mesmo; uma timidez que o paralisava mesmo; gozado, era capaz de cantar em um palco , mas não de convidar alguém para dançar; que ironia! Ela não era feia, aliás, era bonita mesmo; que oportunidade perdida! Mas, não terminou por aí; tem mais. Essa minha colega de classe se chega a mim e diz:

-A minha amiga está te convidando, você e outros colegas, a irem até sua casa, aqui ao lado, para escutarmos música, topa?

-Claro!-respondi prontamente.

Chegamos a sua casa; serviu uns vinhos e ligou o seu som; parece que estava orgulhosa de seu aparelho, sofisticado para a época; o rádio era maior do que ela em tamanho; não era baixa ,mas também não era alta; ligou a música e eu, encostado ali na parede; olhou para mim; parecia suplicar por uma dança, um abraço ou...algo mais, sei lá? Mantive-me estático; que raiva de mim mesmo! Depois de um tempo, vendo que não me manifestava, deu um sorriso decepcionado e,..convidou o Bira, meu amigo, que estava do lado, para dançar com ela.

Por um mês tive raiva de mim mesmo; que droga de mundo em que se esperam de nós sempre determinadas atitudes; por que ela não se chegou a mim e disse: “ adorei sua aparência; acho que tem tudo a ver comigo; vamos dançar?” Qual o problema? Por que temos que seguir determinadas convenções sociais em determinados momentos? Ah, a sociedade, sempre ditando como devemos ser ou agir. No meu imaginário, se ela fizesse isso, a teria tomado nos braços, dançado uma música lenta, depois uma agitada, depois riríamos; por fim ordenaria que colocasse um tango. “Um tango?” “Si, mi amor!” Tiraria, não sei de onde, a coragem e habilidade para dançar uma música complicada dessas. Por fim , valsaríamos ao som de Strauss, nada menos que o Danúbio Azul.

Isso são tudo fantasias; o fato é que só a vi mais uma vez, numa daquelas apresentações de escola; ela sorriu para mim:

-Oi!

-Oi! –respondi; e ficou só nisso!