A esquina e o fim

[blitz]

- Boa noite. Documentos do Senhor e do veículo, por favor.

- Sim Senhor, aqui estão.

- Da onde o Senhor está vindo e para onde vai?

- Estou voltando do trabalho para casa.

- O Senhor pode descer do veículo, por favor.

- Claro, algum problema policial?

- Estamos verificando. São só procedimentos de rotina. O Senhor está de posse de algo ilegal?

- Não Senhor.

- Então, por favor, retire tudo dos bolso e coloque em cima do capô.

- O que está acontecendo aqui? Sou suspeito do que?

- Não sabemos ainda Senhor, estamos averiguando, são só procedimentos de rotina. Coloque as mãos na cabeça e abra as pernas por favor?

- Porque estou sendo revistado? Eu tenho direito de saber porque estou sendo revistado.

- Atitude suspeita, Senhor.

- E qual foi a minha atitude suspeita? Eu estava no limite da via, usava cinto de segurança, estava com as duas mãos ao volante, o que eu estava fazendo de suspeito?

- Sua atitude era suspeita, Senhor. O que há no porta-malas do veículo?

- Não sei, umas caixas, panos, estepe, coisas assim.

- O Senhor não sabe o que carrega no porta-malas, Senhor? O Senhor pode abrir para mim, por favor?

- Posso, o que o Senhor está procurando?

- Ainda não sei, Senhor. O que há naquela maleta.

- Somente alguns papéis.

- O Senhor pode, por favor, abrir para mim ver?

- Claro. Está vendo, papéis.

- Sobre o que são esses papéis?

- Planilhas, contas. Sou comerciante, são algumas coisas da empresa.

- Examine estes documentos Segundo Sargento. Agora nós podemos ver o interior do veículo?

- Como assim examine estes documentos? O Senhor não pode mexer nas minhas coisas assim.

- Estou analisando os documentos que o Senhor me mostrou e que foram encontrados numa pasta no porta-malas do seu veículo. Aconselho que o Senhor se acalme e me mostre o interior do veículo.

- Como assim se acalmar? O que está acontecendo aqui?

- Se o Senhor tem algo à esconder aconselho que me conte agora, pois nós vamos achar.

- Do que o Senhor está falando? Quer saber, a atitude do Senhor é que é suspeita. Que procedimentos de rotina são esses? Mas eu não tenho nada para esconder. O que o Senhor quer ver?

- Abra o veículo, por favor?

- Estes CDs no porta trecos são do Senhor?

- É isso, sou culpado por comprar produtos piratas? Pode me prender.

- Acalme-se Senhor.

- As MP3 do pen drive também são piratas. Eu me entrego.

- Irei confiscar esses itens. O Senhor pode abrir o porta-luvas, por favor.

- (click)

- O que são esses papéis?

- A nota fiscal do carro, umas contas, não sei.

- Posso ver essa nota fiscal?

- Por que? Eu posso perguntar por que?

- A sua atitude suspeita, e irônica, diz, segundo o manual, que o Senhor está tentando ocultar algum crime. Já sabemos que o Senhor não respeita as leis de direitos autorais, agora estamos procurando quais outras lei o Senhor não respeita.

- Eu não tive nenhuma atitude suspeita não. Isso é abuso de autoridade. O Senhor já me revistou, revistou meu carro, e não achou nenhuma evidência de nada suspeito. O Senhor está procurando pelo em ovo, isso que o Senhor está fazendo. Eu tenho meus direitos, e não tenho que te entregar a nota fiscal do meu carro.

- Por favor Senhor, me respeite. Estou fazendo meu trabalho, que é combater o crime. Sua atitude é sim suspeita, e eu posso prendê-lo por desacato.

- Olha, eu sou um cidadão de bem. Eu respeito a polícia, acho que o trabalho da polícia é desvalorizado. Mas eu não sou bandido.

- Então me mostre isso, Senhor. Me entregue esta nota fiscal e me deixe fazer meu trabalho que a verdade aparecerá.

- Tudo bem, desculpe. Estou um pouco nervoso, é a primeira vez que passo por isso.

- A loja do Senhor deve estar indo muito bem, este carro é bem caro. Com o que o Senhor trabalha?

- Acabou, me desculpe. O Senhor é da Receita Federal? Eu não fiz nada de errado, nem tive nenhuma atitude suspeita. Ou o Senhor me leva preso e me deixa chamar meu advogado, ou me deixa ir embora.

[delegacia]

- Eu só falo quando o meu advogado chegar.

- O Senhor que sabe, mas pode estar acabando com as suas chances de um acordo.

- Um acordo sobre o que? Sou acusado do que? O Senhor não tem nada!

- Bom, já sabemos que o Senhor não respeita as leis de direito autoral. Podemos provar isso. Também sabemos pelos papéis da sua pasta, e a nota fiscal do seu veículo, que a sua renda é incompatível com seu estilo de vida.

- Não falo mais nada enquanto o meu advogado não chegar.

- Viu, isso é uma atitude de quem quer esconder alguma coisa. Nós já sabemos que o Senhor comete algum crime. A sua renda é incompatível. Não preciso de uma evidência, isso é uma prova.

- Prova do que?

- De que o Senhor cometeu algum crime para comprar um carro que uma pessoa na sua posição não poderia comprar.

- Isso é uma suposição, até o Senhor provar o contrário eu sou inocente. Eu comprei o carro com um dinheiro que eu tinha guardado há muito tempo. Trabalho desde os 12 anos e agora não posso ter um carro?

- Quanto tempo?

- Desde os 12 anos.

- Não tem nada haver com sonegação de impostos? Venda sem nota fiscal? Compra de produtos sem origem declarada? Essas coisas.

- Eu não sei do que o Senhor está falando. Se o Senhor não sabe do que me acusar, como eu vou me defender?

- O Senhor tem filhos?

- Tenho, três.

- Eles estudam em escolas particulares?

- Eu sei o que o Senhor está querendo dizer. Já disse que não respondo nada até meu advogado chegar.

- O Senhor já disse isso três vezes, eu só estou querendo ajudar o Senhor a dizer a verdade.

[conversa com o advogado]

- Como assim eles podem me manter preso por até três meses?

- Além de você ter violado as leis de direito autoral, existe um indício de que você cometeu algum crime para ter dinheiro e comprar o carro, por enquanto é só isso. Sei que eles solicitaram junto à Receita Federal sua declaração de imposto de renda, da sua empresa e da sua esposa. Se há algo de errado eu preciso saber agora.

- Como assim? Eles não podem fazer isso. Era só uma blitz, o documento está em dia, minha carta também. Eu só quero ir para casa.