Pérolas da Convivência

“Quem não se comunica se trumbica e como fica, fica na saudade, fica...”

Trecho de samba enredo de escola de samba do Rio de Janeiro em homenagem a Abelardo Barbosa, o Chacrinha.

-- ... e eu só sei que o peixe era grande!

-- Quantos centímetros?

-- Centímetros? Sei não... Uns dois palmos, mais ou menos.

-- Palmo-padrão, palmo-meu ou palmo-seu?

-- Como assim?

-- Se for palmo-padrão, medida antiga, equivale a 22 cm. Se for outro palmo, aí depende do tamanho da mão, não?

-- Hum... palmo-meu então...

-- Uns 30 centímetros.

-- O quê, meu palmo?

-- Não, o peixe! O mesmo comprimento de uma régua escolar (padrão)...

-- Sério?! Eu nunca havia parado antes para pensar em peixe assim, em centímetros...

-- Se você usar uma medida padrão, fica mais fácil eu decidir se o peixe era grande mesmo, ou não.

Ela, espreguiçando-se, e bocejando: -- Para mim, era grande... Ah! hoje estou tão cansada...

-- Cansada de quê?

-- Andei muito.

-- Quantos quilômetros?

-- Ora bolas, não sei!

-- Quanto tempo, mais ou menos?

-- Como assim?

-- Quanto tempo levou caminhando?

-- Por que é que com você tudo tem que ser tão preciso?

-- Sou virginiano.

-- Olhe, eu não contei o tempo não! Não olhei para o relógio quando saí de casa, muito menos quando voltei...

-- Tem uma idéia, mais ou menos?

-- Meia-hora, talvez...

-- Até onde foi?

-- Até o ponto roxo.

-- Ah, daqui até o ponto roxo é hum quilometro e meio. Ida e volta... Você andou cerca de 3 quilômetros! Não é tanto assim para estar cansada...

Ela, cochichando: -- Acho que estou cansada é desta conversa...

-- O que você disse?

-- Nada! Nada de importante. Deixa eu ir “ALI, bem ali...”

-- ALI, onde?

-- “ALI, bem ali”! -- fez um gesto de impaciência -- Quando digo “ALI, bem ali” significa: “Eu não quero dizer A-ONDE vou”! Aliás, eu mesma ainda não sei para onde vou... decido mais tarde, no meio do caminho...

-- Hum... como assim, andar sem objetivo?

-- Dá pra parar de ser tão alemão, tão “genau”*?

-- Como você consegue viver assim, sem plano, de um jeito tão... tão espontâneo, tão... brasileiro? Eu não entendo isso.

-- “Vixe!”, eu heim?! Ah, vem cá, meu bichinho, deixa de besteira... Zanga com a sua tchutchuquinha não...

* * *

“Um bom” tempo depois...

(Precisamente: 2 anos, 6 meses, 22 dias, 18 horas, 45 minutos, 22 segundos...)

-- Como assim, “Não esquenta!”? Você marcou às seis! São quase três quartos de hora de atraso!

-- Qué isso, “Schatz”**, foi só um “atrasinho” de nada...

-- De nada?! Aliás, por onde foi que você andou, heim?

-- “ALI, bem ali...”

-- Como assim? Dá pra especificar melhor?

-- Quando digo “ALI, bem ali” significa: “Eu não quero ter que dizer por onde estive, com quem, nem o que andei fazendo...”

-- Agora eu vi! Dá pra deixar de querer bancar o brasileiro?

-- E você, dá pra deixar de querer bancar a alemã? “Vixo!”, eu heim?! Ah, vem cá, minha bichinha, deixa de besteira... Zanga com o seu tchutchuquinho não...

* * *

* preciso, exato, correto.

** equivalente a “Querida” ou “Querido”, tratamento usado com um ser amado (cônjuge, filho, filha, cachorro, papagaio, etc.)

Nota da autora:

Dedico este conto a minhas colegas Michele CM e Suzana Barbi, elas sim, são mestre em textos e crônicas de relacionamento, do cotidiano. Um beijão pruceis, meninas! A você, caro leitor, um abraço fraterno :-)