Flores de Monet

E naquela manhã gostosa de primavera, ela olhou o jardim e sorriu.

Mais uma primavera, mais um ano de flores simpáticas e aromas saudosos.

Lembrou se de quando deixava sua casa florida e perfumada com os lindos arranjos que costumava fazer.

As crianças amavam! Uma por uma se aproximavam e cheiravam o aroma de cada flor...

Cristina era a que mais gostava, dizia que a casa parecia um quadro!

Heloísa sorriu com a lembrança...

Quem dera sua vida fosse um quadro!

Um quadro de Monet...

Assim poderia guardá-la para que nenhuma cor se apagasse

Tinha ainda Otávio e Lúcia, suas outras flores.

Como eram lindas suas flores... Lindos botões que dependiam dela para tudo!

Ela era a árvore que dava sombra... que dava toda sua seiva para ver todos bem.

Tinha tantos sonhos, tantos planos... Mas encaixotou todos eles.

Quem sabe um dia ainda consiga desencaixotá-los...

Quem?

Quando?

Onde?

A memória falhará!

É Alzeimer disseram. Não!

Ela sabia que não!

Não era sempre assim, era de vez em quando.

A memória de todos falham, imagina a dela com 82 anos!

Mas não adiantava falar.

Já tinham dado a sentença!

Não adiantava argumentar...

Não adiantava mostrar que ainda estava bem e que ainda até lia.

Amava ler Cora Coralina e ficar encantada com sua história.

Uma doceira que na sua tenra idade, deixou seus doces e foi ganhar o mundo com suas poesias.

Quem dera fosse assim com ela...

Ser como Cora!

Heloisa amava poesias e histórias.

Lia sempre para as crianças e elas adoravam.

Otávio ouvia atentamente até cair no sono. Otávio... por onde andaria?

A última vez que o viu foi há uns 4 anos atrás, sempre ocupado com seus negócios, mandava lhe alguns cartões de Natal! Só achava estranho a letra não ser a dele... Mas o que importa? Pelo menos se lembrava dela.

E as meninas!!! Tão lindas e educadas!

Pareciam pequenas borboletas coloridas ao seu redor. Seus bracinhos magros à sua volta, pareciam asinhas frágeis a abraçar-lhe.

Que saudade tinha desses abracinhos de borboleta!

...

Cristina agora era uma renomada arquiteta e tinha outras paletas, outros tons e outras cores para se ocupar.

Boa moça pensou Heloísa, pois vinha de 6 em 6 meses visitá-la. Tudo bem que breves visitas, demorava-se cada vez menos... Mas essa vida corrida é assim mesmo!

Deveria ter muitos problemas para resolver...

Pensou Heloísa tentando não chorar.

Há muito tempo não chorava! Ao menos por fora.

Por fora não demonstrava muito quem era!

Não adiantaria...

Mas por dentro ainda sonhava, dançava e por alguns momentos era feliz!

Ah esses jovens...

Acham que os velhos não são mais capazes de sonhar...

Não sabem que os sonhos não envelhecem?

Para completar seus devaneios e seu trio de flores... Lembrou de Lúcia. Onde estaria? Sua pequenina flor...

Há muito tempo decidiu correr o mundo, viver loucamente como dissera. Fez sua mochila, saiu de madrugada e partiu!

De vez em quando dava um telefonema dizendo estar bem.

Era o que consolava esse coração de mãe, que ainda tinha esperança de vê-la novamente. Antes que o último grão de areia caísse na ampulheta!

Ficou a olhar de novo o jardim...

Até que uma voz a chamou:

" Dona Heloísa? Vamos!

Acabou o banho de Sol, hora dos remédios!"

Aproximou-se pegando sua cadeira de rodas e a levou para dentro.

Para o quarto 212 da casa de repouso Flores de Monet.