*Camelô no ônibus - Coisas que só acontecem comigo - XXX

Camelô no ônibus

Coisas que só acontecem comigo – XXX

Quando cheguei a este planeta, ouvi uma voz suave e potente que me falou pausadamente:

“Dar-te-ei como prêmio oitenta toneladas de paciência, para ser usada a partir dos doze anos de vida. Ainda que gastes uma tonelada por ano – e isso não é pouco – chegarás aos noventa anos com uma boa reserva, que será repassada àqueles que lutarão contigo daí em diante, já que tu não irás precisar mais dela.”

Quem pronunciou essa profecia errou por muito, muito mais que as previsões pluviométricas para o Nordeste. Os últimos resquícios, os últimos farelos dessa pachorra acabaram-se há três anos.

Os que me dão o imprescindível estímulo da leitura sabem que não tenho carro por opção, pois acho muito dispendioso. O tal “custo/benefício” tem muito mais custo que o contrário, mas andar de transporte público, realmente é um chute na canela. Ainda mais em Aracaju, onde o desassossego extrapola. Ainda assim, outro dia resolvi dar minha contribuição, para piorar o que já é de todo ruim.

Resolvi ir ao centro num sábado pela manhã, justamente na véspera do dia dos pais. Em dado momento, entrou no ônibus um pregador vendendo bugigangas, em prol de uma suposta casa de recuperação de drogados.

A julgar pelo número dessas ocorrências, Aracaju deve ter o maior número de drogados por metro quadrado do mundo!

O sujeito usava um microfone de baixa frequência, que nem por isso deixava de ser estridente. Associado a isso, um despreparo irritante, não só em Teologia, como também nessa já exaurida língua tupiniquim. Ouvir palavras como: ‘blíbia’, ‘trabai’ e ‘mim’ em lugar de ‘me’, é dose!

Já extenuado, saquei de meu celular e, dando a entender que atendia a uma ligação, falei mais alto que o pregador:

– Alô... tudo bem? Desculpa por falar nessa altura toda, mas andar de ônibus em Aracaju virou um tormento....

De repente, um silêncio de velório invadiu o ônibus. Mas eu continuei:

– Quando você vem pra cá? Domingo? Oba, então, por favor, me traga um jegue aí de Itabi! (Itabi, a 130 km de Aracaju, é a capital brasileira do jumento, tem até uma estátua de um jegue na praça) Porque a cada parada do ônibus, sobe um camelô vendendo tralhas. Não irá demorar muito, pra eu ver alguém vendendo caranguejo, sabão, maconha, siri, arame farpado... tudo em nome de Deus! Ah, e não esqueça: traga um jegue com sela pra dois lugares (nem sei se existe isso!), cinto de segurança, para-brisa e vista com janela...

A essa altura, já tinha gente rindo à toa...

– Passe também no borracheiro e mande colocar ferraduras de silicone e, por favor, traga duas de estepe...

Nesse momento, o pregador desceu do ônibus, mas antes mesmo que eu me sentisse aliviado, subiram dois emboladores, tocando pandeiro, um de nome ‘Tadeu’ e outro, ‘Tadando’!

Fala sério, eu mereço isso?