Recomeço

Dormir? Já não sabia mas o significado de tal palavra. À época eu morava em São Paulo, numa cidade seca do interior. A situação naquele local era tão alarmante que—conforme os jornais televisivos mencionaram dias antes—havia quase um ano que não caia sequer uma gota de chuva.

Parecia-me que tudo estava acontecendo ao mesmo tempo, e estava sendo por de mais para mim: meu relacionamento se desmoronava; no emprego meu rendimento caía exponencialmente; na faculdade minhas notas não chegavam à média mínima. E como se não bastasse, as minhas contas de água e luz estavam há pelo menos dois meses atrasadas, prestes a serem cortadas. Com o gênio um tanto quanto orgulhoso, nunca pedia nada a ninguém; muito menos discorria sobre meus problemas para as pessoas. Aguentava calado, sempre fui assim, e continuaria.

Martelava-me a mente toda essa situação, como resultado (conforme pensara) não conseguia “pregar os olhos” e descansar uma noite bem dormida. O que vinham era apenas fragmentos de sono distribuídos ao longo do dia e totalizando, no máximo, 40 minutos diários. Parecia um zumbi perambulando por ali e acolá, só que diferente daqueles dos filmes, eu me encontrava cansado de mais para sair por aí mordendo os outros. Passei em médicos e por conseguinte recorri à métodos naturais. Nada parecia surtir o menor dos efeitos. Assim seguia.

Até que o destino resolveu dar um basta! Lê-se: Lei de Murphy se aplicando. Ocorreram tudo na mesma semana— namorada me “chutou”, meu chefe me despediu, minha inscrição na faculdade (por conta das notas e faltas constantes) foi trancada. Por sorte não me cortaram a energia e a água, contudo julguei que não demoraria a ocorrer. Sem rumo, sem direção, à beira de perder a razão… O que me “salvavam” eram os livros; tendo em mente que uma vez imerso na dimensão da história que traziam, era capazes de fazerem-me esquecer por completo da realidade cuja qual me afligia.

Numa notável noite de junho, estava eu deitado na cama devorando o enredo de um dos contos de Asimov. Não sei ao certo o que me ocorreu, mas havia algo diferente, um ruído fraco que me acalmava, porém antes de notar do que se tratava, eu apaguei. Cochilara. Acordei de súbito tateando o cobertor à procura do meu celular afim de olhar as horas. Foi então que levei um susto ao descobrir que aquele suposto cochilo durara 14 horas! Além do mais, lá fora havia um tilintar de gotas a atingir meu telhado. Chovia, mas não era qualquer garoa de manhã fria, era um temporal forte e vigoroso. Dada a situação, a cidade, antes necessitada, se deleitava com o fenômeno. Surpreendentemente meu ânimo recobrara. Dali para frente tudo mudou, dessa vez para melhor. Passei a dormir tanto quanto uma pessoa normal fazia, e às vezes, confesso, até mais. Um mês após eu estava empregado novamente e, de volta às aulas, conheci Beatrice.

Agora, 5 anos após—em pé na plataforma esperando o ônibus, acompanhado de uma pequena e bela mulher que me abraça e descansa a cabeça em meu peito—as pessoas passam e notam meu largo sorriso. Mal elas sabem que o motivo tem nome: vida. Ela, no momento preciso, me trouxe a chuva e esta, por sua vez, presenteou-me com seu renovo. Como se lesse meus pensamentos, Bea sussurrou baixinho uma frase que eu não poderia concordar mais fervorosamente: “era exatamente de um recomeço que eu precisava”.