Talentosa

"Deus, eu quero morrer!"

A pista de dança parecia haver adquirido vida própria e girava ao seu redor. Não! Era ela quem girava. Ou sua cabeça. Estava difícil raciocinar. Dor. Confusão. Seria dia ou noite? A buzina que não soava!

"Você tem talento! Canta, dança, interpreta... esse tipo de desafio não é para você", haviam lhe dito, provavelmente com a melhor das intenções. Mal sabiam eles das contas atrasadas e da dificuldade que estava sendo fazer duas refeições completas por dia. Três? Uma realidade distante.

Josh sabia. Josh era seu parceiro, um rapaz cordial, sonhador, bom dançarino. E magro. Escolhera Josh também por ser magro. Tudo tinha que estar planejado em detalhes. Fora a algumas competições para pegar o jeito da coisa, e no início saía dos salões atordoada, pensando: "Deus, eu não sou capaz".

Mas um belo dia, com lágrimas nos olhos, teve de reconhecer diante do espelho manchado do seu quarto alugado, que sim, tinha que ser capaz. Foi falar com Josh. Ele relutou a princípio. Depois, percebeu o desespero no olhar dela e concordou. Iriam se inscrever na maratona de dança.

Há quantos dias estavam dançando, ou melhor, sacudindo os corpos entrelaçados, naquela pista de dança, cercados por uma multidão em êxtase voyeurístico? Perdera a noção. Sua vida agora se resumia a se manter de pé, flexionar os joelhos. Dançar. Dor.

"Deus, eu quero morrer!"

- [29-04-2017]